Animal Collective
Casa da Música, Porto
19 Out 2005

E no princípio foi o silêncio. Um estranho e aparentemente respeitoso silêncio que se instalou na sala dois da Casa da Música, quando os Animal Collective entraram em palco, com as palmas de acolhimento a serem mesmo tiradas a ferros. “Why is everybody so quiet?”, perguntava Deaken, enquanto a banda ligava as máquinas (literal e metaforicamente), num momento em que até um alfinete se poderia ouvir no chão. Seria reverência? Seria desconhecimento e estaria o público a pensar que aqueles quatro rapazes vestidos de forma um tanto ou quanto desajeitada seriam uma banda da abertura? Não parece que seja esse o caso. Até porque os Animal Collective entram em qualquer sala portuguesa a ganhar por antecipação, fruto de uma rara unanimidade crítica em redor do último álbum, Feels, com notas máximas (ou perto disso) em várias publicações musicais portuguesas, e também por terem, diga-se muito claramente, canções pop (no sentido mais elevado do termo) fortíssimas e trauteáveis desde a primeira audição.

A banda tem em palco uma disposição próxima dos arranjos caóticos dos seus discos: Panda Bear está atrás de um minimalista set de bateria, só com uma tarola, um timbalão, um prato e um prato de choque, mas também faz vocalizações e insere samples e loops; Avey Tare toca guitarra eléctrica e muitas vezes só canta, manipulando e distorcendo a sua voz através de uma pedaleira; Deaken tem como principal instrumento a guitarra eléctrica (ligada a um sintetizador), mas também pode estar simplesmente a bater com baquetas no chão; já Geologist, com uma luz à mineiro presa na cabeça por uma fita (já é imagem de marca), “agarrou-se” a uma pequena mesa de mistura inserindo samples e ocasionalmente fazendo vocalizações.

© Carlos Oliveira

Os Animal Collective demoraram a aquecer as turbinas. Era visível que grande parte do público (a ocupar cerca de metade da lotação da sala dois da Casa da Música) seria essencialmente fã recente da banda e esperava ouvir muito (ou até a totalidade) de Feels. Mas o quarteto não foi pelo caminho mais fácil e o início do concerto foi pontuado por canções (se é que se pode fazer essa divisão, já que as músicas foram todas tocadas sem pausas, sempre ligadas entre si por algum instrumento) novas ou pelo menos desconhecidas do público, com excepção de “Loch Raven” e “Flesh Canoe”. Mais: será que se podia falar em músicas? Se a banda não parecia estar a improvisar em determinados momentos, disfarçava-o muito bem: a construção ocorria invariavelmente por camadas, com um acorde, um ritmo simples, ou mesmo um grito (ou imitações de sons de animais), que dava depois origem a um crescendo colectivo.

Observar os membros dos Animal Collective em acção faz pensar que cada um está no seu próprio mundo: durante a actuação raramente olharam o público de frente, mostrando alguma timidez, mas também uma profunda imersão no seu mundo sonoro idiossincrático, não raras vezes feito de vocalizações e outros diletantismos sonoros a fazer lembrar os Beach Boys. O concerto decorreu sempre em crescendo e valeu essencialmente pelo último terço, iniciado com “Banshee Beat” e prolongado com “Did You See the Words” e “Grass”. Para o encore ficaram guardadas “We Tigers”, de Sung Tongs (em regime de loucura total, dança frenética e esquizofrenia vocal em palco), e “The Purple Bottle”. Os aplausos finais já foram muito calorosos.

No final ficou um ruído entranhado nos ouvidos, em grande parte devido ao volume da guitarra de Avey Tare, que acabava por sobrepor a sua distorção ao resto dos sons. Os problemas nesse capítulo foram evidentes e também notórios na voz de Tare. Valeu a humildade transparecida pela banda (até era o vocalista principal do grupo que estava no corredor de saída a vender t-shirts, com um sorriso nos lábios) e a última louca meia hora. Talvez devido às expectativas serem muito altas, pode dizer-se que o concerto foi mais morno do que o esperado: faltou familiaridade com o público durante cerca de metade do tempo e um melhor som para que ele fosse tão arrasador quanto Feels o é enquanto álbum.

· 19 Out 2005 · 08:00 ·
João Pedro Barros
joaopedrobarros@bodyspace.net
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