Nils Petter Molvær
Centro Cultural de Belém, Lisboa
11 Out 2005
Um Centro Cultural de Belém quase completo recebeu o invulgar quinteto de Nils Petter Molvær, que apresentou um espectáculo multimédia integrado no festival Temps d’Images. E Molvær desde logo mostrou o seu electro-jazz de paternidade assumida: Jon Hassell é a influência maior deste músico que parte de um trompete de matriz clássica para, através de processamento electrónico, criar novas cortinas de música. Mas a filiação é limitada: se em Hassell a contenção é marca fundamental, Molvær tenta ir mais além; se Jon Hassell concebe o seu trabalho num equilíbrio precioso, o discípulo nórdico utiliza a tecnologia para explorar descaradamente a sua música de base electrónica. Caminhando numa espécie de chill out progressivo, alimentado com aquilo a que chamam “batidas gordas”, desagua-se numa música de dança onde o trompete por vezes se torna vítima do monstro que criou, afogado na oleosidade dos ritmos house ou na velocidade do techno. Alguma desta música poderia facilmente fazer parte dos DJ sets de discotecas urbanas menos sofisticadas – enquanto a fauna noctívaga se seduz e embriaga (elas vodka-limão, eles whisky com cinco pedras de gelo) ninguém daria pela diferença da coisa emitida pelas colunas. Às vezes o trance não anda longe e as imagens projectadas, embebidas de psicadelismo, contribuem para esta vaga alucinação.

Mas quem são os músicos? Nils Petter Molvær é um trompetista com personalidade, com um som sujo mas devedor das fórmulas clássicas – muitas vezes recorrendo a repetições melódicas, em alguns momentos elaborando sequências de notas capazes de fazer arrepiar. E o seu trompete alternou entre dois microfones: um que emitia o som normal e um outro que reproduzia o som alterado por efeitos – o que fazia o trompete soar como uma flauta encantadora de serpentes, quase como uma guitarra a abusar do pedal wha-wha ou outros sons menos triviais. O trompete é o líder inequívoco do grupo mas abre-se espaço para o diálogo constante com a maquinaria - Jan Bang (samples) e DJ Strangefruit (pratos) constroem um equilíbrio permanente. Há também uma guitarra que se mantém discreta o tempo todo, quase invisível, e a bateria limita-se a acompanhar o ritmo imposto. Perante a timidez dos demais, é o duelo trompete vs. electrónica que centraliza as atenções. E a interacção é normalmente bem gerida, por vezes viajando calmamente em passeios atmosféricos, outras vezes subindo crescendos e clímaxes de ritmo. Os samples e beats parecem em certos momentos demasiado evidentes, há um potencial de reserva que poderia ser explorado em vez de se enveredar pelo caminho de ritmo mais óbvio - no entanto a fórmula usada é eficaz: faz a cabeça abanar, dá vontade de dançar (as cadeiras estavam ali a mais) e tem aprovação popular (provavelmente o que mais se pretendia).

O encore, com Molvær sozinho em palco, consistiu numa pequena balada interpretada a solo, contrastando com a agitação sonora prévia. O “Jon Hassell dos pobres”, como alguém chamou, satisfez o público e a ovação final, em pé, não foi desmerecida. Se Miles Davis, o príncipe das trevas, ainda estivesse vivo e tivesse acabado de descobrir o ecstasy estaria provavelmente a fazer esta música. Como Miles já ganhou a imortalidade há algum tempo, há um norueguês a tratar do assunto.
· 11 Out 2005 · 08:00 ·
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com

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