The Raincoats
Salão Brazil, Coimbra
03- Jul 2018
Senhoras e senhores, é um velho chavão mas é sempre aplicável: o rock n' roll não se explica, sente-se. Não adianta desconstruir cada riff, cada linha de baixo ou cada ritmo sem falar de como o bom e velho rock é capaz de nos dar a volta à cabeça. Existe no rock n' roll qualquer coisa de mágico, que nos leva aos mais variados sacrifícios: gastar um balúrdio para ver aquela banda, mostrar a todos os amigos uma canção ou um álbum que nos tenha tocado, encher a parede do quarto de posters, ou seguir viagem pela A1 apenas e só para ver as Raincoats em Coimbra, porque quando elas tocaram em Lisboa o Rock In Rio chamava pelo nosso trabalho.

É loucura, mas é a loucura que nos mantém sãos. A loucura de se ter pensado, mal se tirou a carta, que uma das coisas a fazer eventualmente era seguir estrada fora a ouvir o hino dos Neu! à viagem sem rumo, "Hallogallo" (aconteceu). A loucura de ir até uma cidade desconhecida com a ansiedade a morder-nos os calcanhares porque sabe-se lá se vamos aguentar fazer outras duas horas pela calada da noite, sempre com medo de nos espetarmos num quilómetro qualquer, sem saber se os nossos amigos nos iriam deixar mensagens de pesar nas redes sociais (ou trolling, isso era fixe). A loucura de foder quase 80 preciosos euros na demanda porque são as Raincoats - e, à porta do Salão Brazil, ficar admirado com a presença de Ana da Silva e Paulo Eno. A loucura do riso quando vemos que alguém transmite o Inglaterra x Colômbia para a rua, via Firstrow. A loucura do café. Muito, muito café.

O fígado ficou meio destruído pela cafeína mas o resto valeu imensamente a pena - até cães entraram no Salão Brazil para assistir ao concerto da banda britânica, a mesma que Kurt Cobain admirava, a mesma que criou álbuns clássicos no fértil período pós-punk e que era feminista antes de se falar sequer em feminismo. De uma primeira parte curta, com quatro canções de Honey Birch (filha de Gina Birch, e que ali mostrou uma folk eléctrica confessional a fazer lembrar Scout Niblett - e que bela voz ela tem) perante a indiferença quase geral (a nobre arte de calar a puta da boca em concertos também não chegou a Coimbra), passou-se de imediato às Raincoats, que em palco eram apenas três: violino, guitarras e baixo. Nada de bateria. Não era preciso bateria.

Houve loas aos graffiti de Coimbra, houve clássicos como "Fairytale In The Supermarket" e "Lola", dos Kinks, com fãs a subir ao palco, houve uma idiossincrasia brilhante a iluminar o Salão - canções estranhas e uma forma de tocar que seria chumbada no Conservatório mas, meu Deus, como soava bem -, houve coros fenomenais entre as três e houve uma alegria imensa por parte da banda em estar ali, a tocar os seus velhos quase-êxitos perante uma plateia sobretudo da velha guarda, e que ainda não se esqueceu da importância que as Raincoats tiveram na sua formação. Não que elas sejam velhas; em palco, parecem querer acabar com a noção de tempo e espaço, soando tão bem hoje quanto soavam há quarenta anos, mostrando o mesmo ímpeto que qualquer banda de jovenzinhos - não o de reclamar o seu espaço, mas o de agir como se já o tivessem há muito. Teve qualquer coisa de loucura e de rock que no fundo são uma e a mesma coisa. Vale a pena sacrificarmo-nos quando assim é.
· 05 Jul 2018 · 15:06 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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