Death In June / Homem Em Catarse
Hard Club, Porto
3- Out 2016
Só um motivo muito grande nos obrigaria a fazer 300km rumo ao Porto numa noite de segunda-feira, com trabalho pela manhã cedo no dia seguinte. Esse motivo, neste início de Outubro que teima em não fazer desaparecer o calor, foi Death In June - uma paixão antiga (pela música apenas, ressalve-se...) que começou quando se escutou The Wall Of Sacrifice pela primeira vez, quando a batida marcial e a folk deprimida ou deprimente ressoou no coração, naquele período pós-metal em que não se sabe ainda o que se vai fazer à dieta musical doravante.

Seria demasiado simplista resumir os Death In June ao tipo que usa iconografia fascista e neo-nazi, e já há imensos textos - e outros tantos rebuttals - sobre o assunto. Foquemo-nos nisto: no piano que o seu "associado" começa por fazer pairar sobre a sala 2 do Hard Club, numa toada algo jazzy (entartete kunst!) que criou a atmosfera necessária para o que seguiria, coadjuvada pelo incenso presente em palco e pelas bandeiras da UE adornadas com a já famosa totenkopf, de lábios carnudos e bandeira britânica colada aos olhos - sim, este é um concerto de Death In June pós-Brexit, e mesmo sem falar de política(s) deveremos recordar-nos disso. Ou na música de dança e dançável que se escuta quando termina esta primeira parte...

Há humor na música de Douglas P., porque de outra forma ele não entraria em palco mascarado, de camuflado, uivando à Lua e pedindo ao público que o faça de igual modo. Há humor, porque de outra forma seria apenas estranho e não belo, como "Life Under Siege", uma das primeiras com ambos em palco. O cântico, a precisão militar, o ribombar de uma música talhada especialmente para invasões à Polónia. E depois, a terceira parte: Pearce sozinho à guitarra apresentando as canções que praticamente definem um género musical - a neofolk -, de "Last Europa Kiss" a "She Said Destroy", de "All Pigs Must Die" (que puxou pelos aplausos e que fez todo o sentido em ser tocada mesmo por cima de uma esquadra, se quisermos ser mauzinhos) a "Behind The Rose (Fields Of Rape)", de "The Golden Wedding Of Sorrow" a, evidentemente, "Fall Apart", sem esquecer "Giddy Giddy Carousel" ou "But, What Ends When The Symbols Shatter?"...

Num concerto em que Douglas P. se mostrou imensamente afável, perguntando à audiência se tinha algum pedido em especial (por várias vezes) e quase corando quando alguém lhe chama superstar (admitindo logo depois que já não bebe bourbon porque isso o faz querer compor álbuns), foi a pungência de "Little Black Angel" e de "Rose Clouds Of Holocaust" a elevar bem alto o nome Death In June, nesta que foi a celebração dos seus 35 anos e numa altura em que não se sabe se voltará cá tão cedo. No encore, antes de deixar algumas pessoas desiludidas com a não-entrega da setlist, ainda houve espaço para "C'Est Un Rêve", com aquele cântico aterrador que nem sequer é sobre o que poderão pensar: Où est Klaus Barbie... Foi grandioso, como é óbvio. E continuará a sê-lo.

Antes disso, ainda se chegou a tempo para ver um Homem Em Catarse iniciar o seu "Mergulho No Cávado", folk límpida e introspectiva sem o negativismo que se lhe seguiria. Afonso Dorido recorre a loops e a feedback numa marcha sonhadora que serviria não para invadir alguma nação mas sim os campos em torno de Barcelos, nudez alimentando a liberdade; é um dos grandes talentos da "cena" tuga, mas não conseguiu de parecer algo deslocado. "Teremos Sempre Paris", uma canção «sobre a paz, na sua verdadeira essência», não deixou de soar muito estranha tendo em conta o que se seguiria... E, talvez por isso, metade do público presente na sala tenha preferido pôr a conversa em dia e não prestar atenção à música. Foi pena.
· 09 Out 2016 · 16:04 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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