NOS Primavera Sound 2016
Porto
9-11 Jun 2016
Dia 1

Uma vez por ano, lá vamos "todos" até ao Parque da Cidade transformado em cidade da música, celebrar o dia em que se lembraram de trazer até à cidade do Porto um dos melhores festivais do mundo. Em ano de recordes no que toca a visitantes (os passes gerais até esgotaram), e mesmo com a ausência do sempre refrescante Palco ATP, o Primavera Sound voltou a oferecer o cartaz mais exigente - e variado - de todos os grandes festivais portugueses. E apesar de muitos compararem bilhete para passar os concertos em abundante falatório, mesmo que passar em frente da tenda da Ray Ban significasse algumas vezes ver "malabarismos" de marketing pouco condizentes com o festival, O NPS continua a ser um santuário para quem quer ver e ouvir música. E é espectável que assim continua durante muitos anos.

Agora a música. Quando chegamos ao recinto na quinta-feira soou-nos bem, ainda que à distância, as guitarras dos Deerhunter, mas não deu para perceber muito mais do que isso. Deu para perceber, isso sim, que a magia dos discos de Julia Holter, embora difícil de transpor para um festival desta dimensão, esteve quase sempre em cima daquele palco. Aquela voz ajuda sempre. Um dos mais esperados concertos dessa noite era também o mais "temido". A curiosidade era muita para perceber como é que uma banda tão intimista como os Sigur Rós poderia resultar no palco principal do NPS. E a verdade é que mesmo a fabulosa "Starálfur", dada a silêncios e a explosões internas, acabaria por resultar numa noite em que os islandeses pareciam os escolhidos como verdadeiros cabeças de cartaz. Com um alinhamento inteligente, os Sigur Rós acabaram por confirmar esse mesmo estatuto.

Ali ao lado, os norte-americanos Parquet Courts começaram a fechar a noite com um concerto que, na falta de melhor palavra, possibilitou algum entretenimento. Sem nunca serem excepcionais, seguraram a bandeira do rock 'n' roll com bastante dignidade e com uma mão cheia de canções bem rasgadinhas. As atenções foram, pouco a pouco, desviando-se para o palco do lado. Não estivesse a chegar a altura dos Animal Collective subirem ao palco principal do festival, trazendo a Portugal pela primeira vez o novo disco da banda, Painting With (2016), que deu ao mundo um par de singles desinteressantes, fazendo com que Sungs Tongs, Feels ou mesmo Merriweather Post Pavilion pareçam cada vez mais distantes. Com alguma surpresa, os Animal Collective, que nunca foram uma banda excepcionalmente interessante ao vivo, deram um concerto quase sempre certeiro. Com poucas pausas, em jeito de medley infinito, os Animal Collective aproveitaram o seu lado mais naïf para proporcionar alguma festa. Apesar de estarem longe da sua melhor forma (falamos dos discos, claro), a celebração até foi bem bonita.

Dia 2

Sexta-feira, sendo feriado, a situação é fácil: sentar na relva, segurar numa cerveja e ver Cass McCombs dar um verdadeiro festival de soft rock ajudado pelo muito sol que se instalou no Parque da Cidade. As canções pareceram poucas: o concerto do norte-americano, feitas as contas, soou como uma longa jam, cheia de solos de guitarra e um bonito não-ir-a-lado nenhum. Houve canções, é certo, mas mais importante mesmo foi quando não se ouviu canções. Parecendo que não, o segundo dia do festival começou da melhor maneira.

O segundo dia dos NOS Primavera Sound foi, essencialmente, um dia de canções. Canções grandes, mais ou menos históricas, mais ou menos distantes destas décadas. Canções? Os Destroyer de Dan Bejar têm muitas e de muitos feitios. Quase sempre luxuosas, quase sempre sugestivas, insinuantes, muitas vezes no quase no limite do bom gosto relativo - há muita gente que não quer sequer ouvir falar de Dan Bejar. Ao longo de cerca de uma hora, o canadiano foi igual a si mesmo e aos seus discos. E foi bonito. Ainda mais quando aquele saxofone que eu e tu sabemos se deixou ouvir em toda a sua glória. O sol ajudou, claro, se ajudou.

Logo a seguir, o momento histórico já anunciado. O momento de ouvir aquele que é um dos mais clássicos dos discos clássicos, Pet Sounds, mas não só. Antes e depois, Brian Wilson ofereceu ao público do NPS um banho de grandes êxitos de outros discos. Um atrás do outro, a lembrar-nos a quantidade de canções icónicas que os Beach Boys criaram ao longo da sua carreira. Trazido em braços para o palco, e visivelmente frágil, Brian Wilson cumpriu as funções mínimas e liderou um grupo bastante consistente nessa tarefa de grande responsabilidade que foi levar Pet Sounds a palco. Com todas as fragilidades, as 13 canções do disco icónico subiram a palco num momento eminentemente e obrigatoriamente emocional. Não foi um concerto perfeito - e dificilmente poderia ser. Mas foi bonito, ó se foi.

Fugimos das Savages. E, com pena, perdemos Floating Poins. Mas o momento era o de ver a incontornável PJ Harvey a apresentar o seu último disco, The Hope Six Demolition Project. Desde o fabuloso Let England Shake que a britânica está diferente - radicalmente diferente. O negrume desse disco era diferente do negrume de sempre. E com este novo disco a coisa não é muito diferente. PJ Harvey entra em palco vestida de negro. Ela e todos os seus músicos - e são muitos. Dez a contar com ela, se a memória não nos falha. Quase como num culto. E foi assim que a cerimónia soou.

Ouvimos muito de The Hope Six Demolition Project, claro está. Mas também ouvimos três canções seguidas de Let England Shake - entre elas a incrível "The words that maketh murder". E ouvimos uma PJ Harvey cheia de mensagens politicas e sociais. Ouvimos o seu saxofone, que quase nunca largou. Ouvimos rock, gospel, blues. Ouvimos Mick Harvey e John Parish. E ouvimos uma artista que tem sabido recriar-se com o passar dos anos. O melhor concerto do NPS foi seu.

Para quem nunca foi muito a bola com os discos dos Tortoise, mesmo gostando de bandas similares e reconhecendo que são constituídos por músicos de grande qualidade, os seus concertos não fazem a diferença que seria de esperar. Sobretudo numa actuação repleta de problemas técnicos mais do que evidentes. Tirando dois ou três bons momentos, o concerto dos Tortoise passou sem grandes motivos de entusiasmo. Deve ser um caso evidente de "Não és tu, sou eu" com grandes hipóteses de se arrastar para o resto da vida. À saída, antes de recolher a casa, ainda deu para ouvir a melosa e viciante "Moving on" de Rosevelt e ficar com essa canção na cabeça até a altas horas da noite.

Dia 3

Começa rápido e rápido acaba. Como a boa parte das canções dos Linda Martini, que soaram especialmente sónicos e ruidosos nas três canções que conseguimos ouvir à chegada ao recinto. E soaram muito bem. O mesmo se pode dizer dos Algiers que levaram ao palco Super Bock o belíssimo disco de estreia que mostraram em 2015 com o selo da Matador. Rock, gospel, noise, psicadelismo, tudo junto e a funcionar em condições perfeitas. Alguns dos temas de Algiers não resultaram tão bem como em disco mas no essencial a actuação foi bastante apreciável. A voz de Franklin James Fisher é qualquer coisa que merece ser ouvida ao vivo pelo menos uma vez na vida.

Ali ao lado, logo depois, a coisa ficou fácil. As canções dos Chairlift são fáceis. Tão fáceis como as canções mais fáceis - e incríveis - dos Fleetwood Mac. É só carninha, só pop, só refrões orelhudos, produção impecável. E depois ainda há a adorável presença em palco de Caroline Polachek. Mas a música, ainda a música. Canções como "Ch-Ching", "Amanaemonesia" ou "Romeo" foram alguns dos momentos mais fáceis de todo o festival. Fáceis como tirar um doce a uma criança. Fáceis como domingos de manhã. Fáceis como tudo. E foi tudo bastante, na falta de melhor palavra, divertido. Assim sem mais.

Não vimos Battles por opção, ouvimos Car Seat Headrest ao longe - e ouvimos dizer bem e bem mal, um pouco de tudo. Os Air também conseguiram dividir opiniões - e bastante. O concerto dos franceses, por "culpa" do seu alinhamento, foi uma espécie de viagem espacial a outro universo. Um universo que se calhar poderia ser melhor apreciado numa sala fechada. Mas foi uma bela viagem, recheada com alguns dos mais icónicos temas da banda francesa, e em modo quase Best Of. Foi, isso sim, uma viagem bem mais cerebral e sensorial do que propriamente física. E isso parece ter sido o que impediu que todos tivessem entrado definitivamente no vaivém espacial.

Vimos um pedacinho de Explosions in the Sky apenas para confirmar que está tudo no sítio certo, aquele vai-acima-vai-abaixo bonito, melódico e previsível. E estava tudo lá. Mas este que assina já teve a sua dose - e gostou. Sobretudo quando os texanos tocaram para pouco mais de meia dúzia num local chamado O Meu Mercedes é Maior que o teu, há coisa de muitos anos atrás. Tivemos pena de perder Moderat mas a noite pedia rock 'n' roll e por isso ver Ty Segall and The Muggers pareceu-nos a forma ideal para fechar o NPS 2016 em beleza. E estávamos certos. Abençoada sucessão de riffs demoníacos capazes de formar uma espécie de onda ininterrupta de crowd surfing - que torna tudo aquilo mais bonito. E depois disso foi rumar a casa com aquela ideia repetida na cabeça: sorte a nossa de ter um festival destes aqui ao lado de casa.
· 21 Jun 2016 · 23:53 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

Parceiros