Manuel Göttsching
Teatro Académico de Gil Vicente, Coimbra
04- Mar 2016
Coimbra parece, vinte anos após a última visita ainda com os pais, uma cidade magnífica. Das memórias de então restava apenas um viaduto e pouco mais; agora, ficará na cabeça a paisagem triunfal do rio junto à estação de comboio, os semáforos para peões a lembrar os ampelmännchen da Alemanha Oriental, a cereja barata e a dúzia de bares onde a mesma é tragada... Bem como a maravilhosa sandes de bacon do Académico - sem se vislumbrar a presença de um qualquer atrajado, mas se calhar não houve oportunidade para conhecer a cidade a fundo.

Ficará para uma próxima, até porque nesta noite de sexta-feira o mote não era passear por Coimbra mas sim marcar presença obrigatória no TGAV, onde o lendário Manuel Göttsching iria assinalar os trinta anos da igualmente lendária RUC com uma performance integral do não menos lendário E2-E4, álbum de roque psicadélico [Perceberam? É uma piada sobre xadrez] que alterou para sempre a história da música electrónica, nomeadamente o house e o techno. Perante um TGAV esgotado, o músico começou por agradecer o convite, antes de dar início a uma sessão que, não fosse pelo facto de ser num local fechado e onde era obrigatório meter o rabo numa cadeira, teria sido quiçá a melhor rave da década.

Havia motivos para isso. A culpa é daqueles sintetizadores magníficos, que ao longo de uma hora contêm, dentro deles, toda a história da música de dança electrónica, de Larry Heard aos Underworld, da Ibiza beat às variações mais ou menos azeiteiras que hoje preenchem os tops de vendas e são ora por ora rotuladas como EDM. Mais de trinta anos de história hedonista e bamboleante a descer sobre o TGAV, iluminada por um arco-íris glitch que ia criando a sua própria história no ecrã. Pulando entre o laptop, os teclados e a sua guitarra, Göttsching reconstruiu de forma perfeita aquela sensação que se teve ao escutar E2-E4 pela primeira vez, o de uma peça intemporal e fresca, tanto em 1982 como até hoje. Porque é que demorou tanto tempo a vir a Portugal apresentá-la, não saberemos. Mas que aqui vimos o concerto de uma vida, isso vimos.

[Nota do autor: não há referência à primeira parte porque cheguei demasiado tarde ao TGAV depois de uma viagem de três horas e trinta num comboio regional. Pelo facto peço desculpa ao Luís Fernandes, vulgo Astroboy, que há de ter dado um concerto igualmente bom. E fica também a ressalva: eu não sou obrigado a saber que não se pode ir à casa-de-banho antes do final do concerto - e que se o fizesse não poderia voltar a entrar. Foi exactamente isso que aconteceu, fazendo com que os últimos quinze minutos do melhor concerto de 2016 foram, desta forma, com o badagaio. De nada serviu a súplica ao assistente presente na sala. Mas é na boa: para a próxima mijo no chão e vocês que se fodam.]
· 09 Mar 2016 · 14:46 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

Parceiros