Tendo
em conta a riqueza de arranjos alcançada em The Mysterious Production of
Eggs, o mais recente disco da já longa carreira de Andrew Bird, dificilmente
se imaginaria que ao vivo, as canções desse mesmo último registo soassem tão
próximas do original, e ao mesmo tempo, tão próximas da perfeição – e contado
ninguém acreditaria. A verdade é que o músico de Chicago não é um músico qualquer
e isso ficou demonstrado logo nos primeiros instantes da sua actuação. Alguns
dias depois do concerto em Lisboa (o espaço entre os dois concertos explica-se
facilmente pela vontade de Andrew Bird em conhecer Portugal), o seguimento
da estreia em terras lusas teve lugar em Famalicão. A resposta foi entusiasmante:
a quantidade de bilhetes procurados fez com que o concerto passasse directamente
do café-concerto para a sala principal (mudança mais do que merecida, diga-se).
Foi então um Andrew Bird sozinho aquele se apresentou em palco. Mas “sozinho”
aqui torna-se quase uma força de expressão, pois tendo em conta aquilo que
se passaria de seguida, ninguém o diria.
E foi provavelmente com a faixa introdutória de The Mysterious Production
of Eggs que tudo começou. O homem pássaro ia gravando camadas e mais camadas
de violino (tocado com o arco ou com a mão, como se de uma guitarra se tratasse),
juntando-as em loops perfeitos e criando paisagens admiráveis e de
efeito grandioso. Vá-se lá saber porquê, mas ao vivo a música de Andrew Bird
aformoseia-se de graça especial. Naturalmente, a beleza da introdução acabaria
por desembocar na não menos bela “Sovay”, canção maior que a vida sobre suicídios
acidentais onde ninguém morre e talvez um pouco mais: um refinado sentido pop que aliás guia quase sempre as suas composições.
Andrew
Bird © Sérgio
Neto |
Em
concerto, as semelhanças entre a voz de Andrew Bird e as vozes de Rufus Wainwright
e a de Jeff Buckley (mais o primeiro do que o segundo) tornam-se ainda mais
claras, mas não vamos por aí. Não. Vamos antes pelo seu assobio de ouro (qual
rouxinol, qual assobio para dentro de um búzio no fundo do mar, qual theremin,
qual quê), pela forma inteligente como escreve e interpreta as canções, pela
forma como se assemelha a um violinista russo (em certos momentos Andrew Bird
chegou até a sacar solos do seu violino como se tocasse de novo uma guitarra);
vamos pela forma como parece uma espécie de “homem dos sete instrumentos e
os pedais” ou pela simplicidade que o levou logo no início a tirar os sapatos
para exibir umas belas meias vermelhas e brancas às riscas. Mas também há
uma guitarra (eléctrica) onde interpreta alguns temas (por vezes usou-a apenas
como complemento). Ah, e um Glockenspiel (sim, aquela coisa similar
a um xilofone, com placas de metal em vez de madeira – também conhecido como
metalofone) que faltou na sua actuação em Lisboa mas que foi cedido especialmente
para o concerto de Famalicão. E não é coisa pouca. A forma como Andrew Bird
junta o seu assobiar quase operático ao Glockenspiel (percorrendo sempre
o mesmo caminho, de braço dado) por cima das camadas de cordas é digna de
ficar retida na memória por muito tempo.
Pegou em “Why?” de The Swimming Hour (2001), mas o prato principal
seria mesmo The Mysterious Production of Eggs em canções como “A Nervous
Tic Motion of the Head to the Left”, “Measuring Cups”, “Skin Is, My”, “Fake
Palindromes” e “Masterfade” já no segundo encore, quase a pedido do
público (Andrew Bird até deu duas sugestões para que fosse escolhida uma).
Pelo meio, ficaram ainda histórias sobre o apocalipse, sobre crianças que
são más umas para as outras devido à Rua Sésamo e uma visão muito própria
de Nova Orleães (o homem pássaro chegou mesmo a classificar a cidade como
o “último local funky do mundo”). Feitas as contas, foi uma noite para
ficar na memória. Uma noite a necessitar urgentemente de uma repetição. E
depois sejamos sinceros: como não gostar de alguém que rima “entourage”
com “foot massage”?
andregomes@bodyspace.net