Noite Fetra
Caixa Económica Operária, Lisboa
27- Dez 2015
Quando se chega à Caixa Económica Operária, palco da quinta noite de celebração da Fetra e de tudo aquilo que ela representa (e não adianta dissertar, de facto, sobre o que representa a Cafetra; isso tem estado bem delineado desde 2011, sendo que os haters podem chupá-la), há um ritmo de baile sintetizado que ecoa pela pequena sala do primeiro andar. Chamam a isto hipster pimba, que um dia será um género tão válido como o PBR&B assim que a Pitchfork lhe dedicar uma coluna - e porque não? Tem piada e faz dançar. Tal como o Smiley Face tem piada, seja à guitarra para uma "Canção Sem Sentido", seja ao ukulele para umas quantas músicas novas, cujas variadíssimas temáticas, da gelatina aos escaldões, são capazes de soltar uma gargalhada a uma estátua.

Não houve estátuas na Noite Fetra, mas só aqui, presume-se, seríamos capazes de passar de algo tão deliciosamente infantil para o harsh noise da dupla Yan Gant Y-Tan & 666mfRAS, guitarra e electrónica e um beat passível de fazer abanar cabeças, com uma ou outra incursão por uma espécie de dub industrial e apocalíptico. Se faria sentido mostrar ao mundo, depois do Natal, aquele que mais pareceu o som da crucificação de Cristo? Não, mas e depois? O noise salva vidas. A dupla Afonso Simões & Manuel Mota também, com a sua bateria irrequieta e guitarra uivando, assim como Rabu Mazda & Van Ayres (ambiente hipnagógico pautado por pequenas explosões eléctricas) e Calhau! (noise eclesiástico que só não entusiasmou quem preferiu ficar sentado a um canto a jogar ao Solitário no telemóvel).

Com a noite viriam os pesos-pesados da Fetra y sus amigos, depois de um jantar horrendo num restaurante ali ao pé d'O Satélite, de uma mousse de chocolate bem gostosa no Damas e de umas poucas rifas compradas à Fetra a ver se me saía o cabaz de Natal (à hora de fecho desta edição ainda não sei se tive sorte). Senhoras e senhores, Éme e suas belas canções, quase todas elas novas à excepção de "Lisa" e de "Confusão", esta última já com a companhia de Lourenço Crespo em palco, ele que também se atirou a umas belas canções, incluindo aquela cujo título ainda desconheço mas que tem dos melhores versos portugueses da década dos dez: Se eu quisesse / Era o Kanye West. Mas voltemos ao primeiro, que, por aquilo que mostrou, parece estar a preparar bem aquele que será o sucessor de Último Siso; as novas são, todas elas, maravilhosas. Lei é do cu, liberdade é do coração? Percebi bem? Porra!

Em noite acelerada, nem houve tempo para ir buscar mais um copo, porque mal o Lourenço sai de cena as cortinas abrem-se mostrando todo o esplendor das Putas Bêbadas, o noise rock mais lixado que este rectângulo já pariu e a banda que melhor exemplifica a expressão é preciso é andar sempre bêbado todo fodido, mas no melhor dos sentidos, como é óbvio. Apesar de tudo isto, seria difícil não dizer que, por tudo aquilo que se passou em 2015, a noite seria invariavelmente pertença das Pega Monstro, não só pelo novo álbum, pelas digressões e pelas aparições televisivas; é mesmo porque são a banda de que se fala quando se fala em Cafetra, a que esta noite levou mais gente para junto do palco, a que tem em "Amêndoa Amarga" um clássico instantâneo... E a que levou o ilustre David Maranha a assistir a tudo isto de boca aberta e emudecida pelo espanto. Soberbo, como de costume.

A noite seria delas - e foi - mas, durante uns quinze minutos, foi do tio B Fachada, que subiu ao palco só com uma guitarra e amplificação zero. E para quê? Para tocar quatro das suas melhores canções, "Tempo Para Cantar", "Monogamia", "Memórias De Paco Forcado" e "A Velha Europa", com o público a acompanhá-lo a uma só voz, num momento tão bonito quanto mágico do homem que se calhar nem é bem tio, é mesmo o pai desta canalha toda... Até que subiram ao palco os CAVEIRA, varrendo aquilo tudo com a força de uma tempestade sónica e livre, deixando até Gregorio Duvivier, que não se sabe muito bem como lá terá ido parar, espantadíssimo. Que nos reservará a Fetra para 2015?
· 29 Dez 2015 · 22:38 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com