Jameson Urban Routes 2015
Musicbox, Lisboa
22-24 Out 2015
22 e 23 Out

Coube aos Cave Story abrir a edição deste ano do Jameson Urban Routes, festival que se tem imposto na agenda ao longo dos últimos anos, certamente um dos mais interessantes da época outono/inverno, até pela qualidade dos artistas que têm passado pelo Musicbox devido ao mesmo. Na primeira noite, de apresentação do melhor que por cá se faz e inteiramente aberta ao público, os caldenses deram um concerto coeso, quiçá alguns furos abaixo da maravilha que foi a sua presença no Alive, mas ainda assim bastante satisfatório. Muito se fala de Jonathan Richman (os próprios admitem a influência de bom grado) mas também existe algo de Fall ali na voz, um sentimento in your face de quem está ali sem se preocupar com a opinião alheia. Por entre o barulhinho bom das guitarras que entre 2004 e 2007 chamar-se-iam de "angulares" e miúdos a entoar a letra de "Richman" e "Southern Hype", houve até tempo para oferecer, no final, uma seis cordas à multidão sedenta de feedback.

Já os Galgo, em noite que serviu também para apresentar o seu novo EP, ofereceram um set estrondoso, cheio do ruído que nos faz vibrar; uma guitarra esquecida e uma partida em falso não lhes toldou o raciocínio, eles que prontamente se dispuseram a ensinar ao público como se dança de forma eléctrica. Este é um Galgo que, convenhamos, soa a muitas coisas - mas, principalmente, a fresco, aquilo que mais importa. Há quem se ponha às cavalitas de outrém em "Torre De Babel", essa da linha de baixo que dá vontade de foder (à Monção), e existiu ainda espaço para um tema incrível, quebrado, que oscilava entre o pós-rock e o doom. E, como todo o rock, é quando engatam que se transcendem: a velocidade é essencial e precisa-se.

Nada de bullshit: as Pega Monstro arrancam sem aviso, cheias de speed e massa zero, como um par de Theoretical Girls, antes de se dedicarem a "Branca" e "Braço De Ferro", os dois primeiros temas do maravilhoso Alfarroba - do qual, aliás, não fugiram. Também não era preciso. Ainda que se sonhe bastantes vezes com "Akon", "Amêndoa Amarga" muito tem feito pelas nossas vidas agora que as Pega Monstro são do mundo - e foi bonito ver tanta gente a saber de cor as letras, assim como é bonito testemunhar a evolução que o duo tem tido ao longo destes anos (Júlia Reis é hoje uma baterista assombrosa, por exemplo), prova de que aquele corozinho chato que se ouviu aquando do primeiro EP e disco (elas não sabem tocar!, bramia o idiota) foi finalmente calado pela guitarra e bateria mais essenciais do rock português pós-boom. Gigantes é eufemismo.

No segundo dia o palco foi, em primeiro lugar, dos Holy Nothing, trio com raízes house que começam por mostrar uma electrónica tropical e dançante perante uma sala onde metade da audiência era composta por fotógrafos. Para ajudar ao desfile de moda, há umas luzes que se acendem à volta do palco no último tema, o que por vezes nos fez sentir como se estivéssemos aos saldos na Bershka, mas com melhor música de fundo. Um par de belas canções, a ocasional voz robótica a conquistar a sala e um concerto entre o fervente e o morno é o que se retira do concerto dos portuenses, que claramente mereciam um público melhor.

A fechar essa noite - pelo menos para nós - estiveram as Telepathe, e teria sido tão melhor se não tivesse sido assim, porque ninguém merece a hora de tortura que foi imposta pelo duo norte-americano (que até começou por se apresentar no português abrasileirado e macarrónico do costume, a condescendência típica de quem nada tem para dizer em cima de um palco). Ao início, a sua synthpop oitentista até nos desperta algum interesse, por via dos cenários apocalípticos pintados em "Destroyer", tema-título do seu último disco; mas, depois, tudo se transforma - tal como em disco - numa chachada pop irritante completa pelos miados assanhados das meninas, quais paus de giz deslizando ardósia abaixo e levando-nos a arrancar os cabelos numa orgia colectiva de dor. Infelizmente, as Telepathe mais não são que uma Grimes com diarreia, e esgotaram-nos de tal forma a paciência que nem disposição houve para vislumbrar El Guincho e suas "Antillas". Um nojo total. (PAC)

24 Out

O Outono chegou em força poucas horas antes de o Musicbox abrir as portas. Chuva, vento e uma ressaca que tardava em desaparecer fustigavam as ruas da capital e dificultavam a chegada ao Cais do Sodré para a terceira noite do Jameson Urban Routes.

Lá dentro, algumas dezenas abrigavam-se enquanto esperavam que Inga Copeland subisse a palco. A produtora, metade dos seminais/incontornáveis/orgásticos/misteriosos Hype Williams, era talvez o nome menos sonante em todo o cartaz do JUR, mas ao mesmo tempo consegue também ser um das mais pertinentes. Mais do que pelo seu legado (afinal, é uma das responsáveis por essa coisa chamada lo-fi), é-o pelo seu apuro estético, pelo requintado desacerto com que desfia as suas músicas e pela forma inocente como se agiganta para lá da sua figura delicada. Com uma perna no lo-fi e outra na pista, Inga foi desconcertante quando teve que ser, directa quando o quis, sempre com muita emoção à flor da pele e sem medo de atalhar para caminhos mais duros. Em menos de uma hora, Inga traçou um preâmbulo perfeito para o mancuniano Andy Stott.

Com a mudança de hora a incentivar a uma noite mais longa que o ideal, saltámos parte da apresentação dos Paus – que a avaliar pela multidão que se acotovelava à saída do Musicbox se manteve “incrível” e “brutal”como já se esperava –, para poupar energias para o furacão Andy Stott. E ainda bem que o fizemos. Há qualquer coisa de satisfatório (e masoquista) em poder levar com um tareão de bass music poucas semanas depois de termos sido acossados pelo finlandês Sasu Ripatti (vulgo Vladislav Delay), e ainda mais quando tal acontece pelas mãos de quem melhor sabe fazê-lo. Não que Ripatti não o saiba, muito pelo contrário, mas a frieza com que Stott atacou o Musicbox deixou uma pegada ainda mais duradoura que a do finlandês.

Duas horas e pelo menos uma quebra de tensão depois do início do concerto, ainda havia muita poeira e matéria cerebral a precisar de assentar. Sem qualquer pingo de misericórdia, o produtor fez do palco um ringue onde distribuiu pancada a bel-prazer, sorrindo de verdadeira satisfação sempre que o seu baixo mexia visivelmente com as pessoas - e de facto, quando este cessava, era como se o chão de repente nos fugisse dos pés.

Sem precisar de tocar temas dos seus discos, Andy Stott acabou por tocar em todas as suas marcas identitárias. Fosse a bass music, a techno mais crua, o concerto passou-se como se de uma metamorfose contínua se tratasse, muitas vezes levando esta transformação a extremos físicos e mentais, quase numa espécie de teste à plateia. Num contraponto com Inga Copeland e a sua abordagem quase infantil – que lhe deu uma aura desconcertante ao longo de todo o concerto -, Andy Stott foi cerebral e castigador. Nada contra: o castigo, qual quer que seja o motivo para ele, estava servido e não havia como lhe escapar, excepto quando as vozes soulful e coloridas despontavam no meio daquele caos amniótico para dar esperança de um dia melhor. (AMS)
· 29 Out 2015 · 01:03 ·
Paulo Cecílio e António M. Silva

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