Hauschka / Hildur Guđnadóttir
Teatro Maria Matos, Lisboa
26- Fev 2015
Basta caminhar um pouco ao longo de uma qualquer cidade - esta mesma Lisboa, por exemplo, onde nos sentimos minúsculos perante a arquitectura que rasga cada metro de céu, onde tememos o colapso de cada edifício oscilando entre o nascente e o decadente, onde a indústria dança braço dado com a urbe. Basta caminhar um pouco, dizíamos, ao longo de uma qualquer cidade, concentrados apenas na nossa muito própria sessão psicogeográfica, para nos darmos conta de que estamos tão sós quanto a música de Hauschka, que se ergue do génio e traduz o isolamento total, o do betão versus a carne, e o da carne versus a carne. Sim, é de génio que falamos: como adjectivar de outra forma quando, do alto de uma nunca antes vista bancada em pleno Teatro Maria Matos, o alemão constrói e desconstrói os temas que fizeram de Abandoned City um dos melhores discos de 2014?
Antes da solidão houve Hildur Guđnadóttir, munida de um computador e de um violoncelo e de uma voz etérea, tanto quanto uma canção de ninar pode ser etérea. «Santinho!», sussurra ela a um espectador. Através de loops que se iam sobrepondo, e que atingiram o ponto de maior interesse ao início, enquanto se escutava apenas a melodia que lhe saía da garganta, o papel de Guđnadóttir foi sobretudo preparar o prato principal. Tinham-nos prometido três concertos num só: acabámos por assistir a apenas dois, já que os dois músicos, que já colaboraram anteriormente em disco, estiveram juntos em palco para um tema apenas. Teriam sido dois, caso Guđnadóttir não tivesse entretanto, e literalmente, desaparecido.
Não que esta pequena mentira nos afecte; o espectáculo que é Hauschka não seria abalado por algo tão fútil. Um pianista clássico que resvala para o techno? Uma criança que se apresenta em cima de um palco e mostra a sua caixa de brinquedos ao mundo, os quais vai escolhendo conforme sua vontade? Um maestro e mestre de cerimónias que procura ensinar-nos quantos sons cabem num piano? Hauschka é tudo isto e esta noite foi a cidade abandonada, fosse ela "Craco" (uma "remistura", disse) ou "Elizabeth Bay". Not that I'm depressed... Meu caro Volker, claro que estás. Estamos todos. Só que uns, do alto da sua sabedoria, dão concertos inacreditáveis, e outros tiram as notas necessárias que depois deitarão fora porque, convenhamos, só o sentimento que se ergueu com esta música interessa. Maravilhoso.
© José Frade
Antes da solidão houve Hildur Guđnadóttir, munida de um computador e de um violoncelo e de uma voz etérea, tanto quanto uma canção de ninar pode ser etérea. «Santinho!», sussurra ela a um espectador. Através de loops que se iam sobrepondo, e que atingiram o ponto de maior interesse ao início, enquanto se escutava apenas a melodia que lhe saía da garganta, o papel de Guđnadóttir foi sobretudo preparar o prato principal. Tinham-nos prometido três concertos num só: acabámos por assistir a apenas dois, já que os dois músicos, que já colaboraram anteriormente em disco, estiveram juntos em palco para um tema apenas. Teriam sido dois, caso Guđnadóttir não tivesse entretanto, e literalmente, desaparecido.
© José Frade
Não que esta pequena mentira nos afecte; o espectáculo que é Hauschka não seria abalado por algo tão fútil. Um pianista clássico que resvala para o techno? Uma criança que se apresenta em cima de um palco e mostra a sua caixa de brinquedos ao mundo, os quais vai escolhendo conforme sua vontade? Um maestro e mestre de cerimónias que procura ensinar-nos quantos sons cabem num piano? Hauschka é tudo isto e esta noite foi a cidade abandonada, fosse ela "Craco" (uma "remistura", disse) ou "Elizabeth Bay". Not that I'm depressed... Meu caro Volker, claro que estás. Estamos todos. Só que uns, do alto da sua sabedoria, dão concertos inacreditáveis, e outros tiram as notas necessárias que depois deitarão fora porque, convenhamos, só o sentimento que se ergueu com esta música interessa. Maravilhoso.
© José Frade
· 02 Mar 2015 · 00:26 ·
Paulo CecÃliopauloandrececilio@gmail.com
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