Barreiro Rocks
Barreiro
05-07 Dez 2014
E a enchente concretizou-se: muito mais gente acorreu ao festival neste último dia, até porque estava marcado para final aquele que se impunha como o verdadeiro concerto a não perder: o dos Bad News Boys, de King Khan e Mark Sultan. Por esta altura já o desgaste físico se começava a tornar evidente, mas enquanto existir aquela adrenalina pura que só uma guitarra a rasgar ruído consegue proporcionar, uma réstia ou duas de força nas pernas impelir-nos-à a esquecer as dores e o frio da madrugada. Quando às sete da manhã um gajo chega a casa e delira por completo com o horizonte manchado de vermelho-sangue isso só pode significar que valeu a pena. O Barreiro Rocks volta para o ano; lá estaremos.

Porque o festival é também ele uma celebração da cena do Barreiro e das dezenas de boas bandas que o afirmaram como uma das capitais do rock nacional, entram em cena os Los Saguaros, composta por membros dos Jack Shits e ligados à Hey, Pachuco!, para um garage sem espinhas e com cheiro a deserto que motivou ao bailarico, meio entre a malha que é "I Killed My Girl" e canções dedicadas a Marlon Brando. Na outra face da moeda estavam os Dirty Coal Train, máquina de rock n' roll sujo e acelerado, trio que te espeta a faca sem pedir permissão, e uma guitarrista que terminaria no fosso entre público e palco, a deliciar-se com as vibrações mágicas que brotavam dos amplificadores. Como uma locomotiva, os DCT avançaram ferozmente, e a quem foi apanhado no meio dos carris como um mero e inocente veado resta desejar que descanse em paz.

De volta a temperaturas pouco convidativas encontraríamos os Cave Story, banda das Caldas que nos últimos meses tem tido um percurso de sonho: actuação no Reverence, vencedores do concurso Vodafone.fm, terminar com chave de ouro no Barreiro Rocks. Aqui, apresentaram-se muito mais psicadélicos, encarnando uma certa vibe Spacemen 3, ligeiramente diferente daquilo que lhes conhecemos, não descurando naturalmente o pós-punk carregado de groove que arrancou bastantes comentários elogiosos por parte do público. Lá dentro, os Modernos cantariam num português imperceptível, entre electricidade estática, pós flower power e dedicatórias aos Feromona (ouviu-se o que pareceu ser uma versão de "Bisturi"). Os Tracy Lee Summer teriam a tarefa quase inglória de aquecer a audiência antes dos cabeças de cartaz mais aguardados de todo o festival, mas não fizeram a coisa por menos e apresentaram um garage punk movido a café, qual tónico fortificante para o que seguiria. Coube-lhes fechar os concertos ao relento e, parece-nos, cumpriram-no muitíssimo bem.

Os ABC, perdão, os Act-Ups subiriam ao palco antes do prato forte da jornada para uma hora de descargas eléctricas inimitáveis e inigualáveis, que fizeram jus ao seu estatuto de banda mítica do rock português (e reparem como não se escreveu "rock barreirense"). Parar é impossível, respirar difícil: os Act-Ups são um velocímetro sem ponteiro que lhes valha, circulando entre o garage mais afinado e o rock mais chapada-na-cara, deixando ainda mais eufóricos aqueles que, previamente, já o estavam. A pedido de Crooner Vieira, cederiam à pressão do encore, não sem antes avisar o público que valores mais altos se levantavam: como é que vocês pensam que a gente paga esta merda? Vão beber, caralho.... Palavras sábias. Quase tão sábias como as de "Alive Again", tornadas impossivelmente verdadeiras quando damos por alguém de cabelo grisalho a atirar-se do palco para o crowdsurf. Elixir da juventude? É isto.

Finalmente, após mais um espectáculo de Crooner Vieira, desta feita no meio do público para apresentar "My Way" e "Copacabana", completa com agradecimentos ao sonoplasta, os Bad News Boys - que nestas lides do rock n' roll também são conhecidos como King Khan e Mark Sultan - subiriam ao palco para o último concerto do fim-de-semana, quiçá o mais frenético de todos; duas guitarras, uma bateria em serviços mínimos, e dois dos melhores fatos que já vimos. Era de valor poder escrever mais alguma coisa sobre este concerto para além de FOI DO CARALHO, mas agora, em casa, um gajo repara que não tirou notas durante aquela hora e meia de êxtase porque estava demasiado ocupado a abanar o corpo e a cabeça ao som destes dois demónios, destes dois pirómanos que iam deitando o pavilhão abaixo, destes dois meteoros que fizeram com que a organização, também ela, surfasse o público, demasiado entretido a aplaudir e a saltar e a gritar com uma pura e autêntica alegria estampada no rosto. Demasiado preso ao concerto para sequer pensar que teria de escrever sobre esta merda, mas na verdade pouco importa - este concerto, como todos aqueles que ficam connosco para sempre, funcionam na base do devias ter lá estado. Pois é: vocês deviam ter lá estado.
· 10 Dez 2014 · 23:32 ·
Paulo CecĂ­lio
pauloandrececilio@gmail.com
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