Pere Ubu
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
04- Dez 2014
É em alturas como esta que nos apercebemos que a Galeria Zé dos Bois é, ao mesmo tempo, tão enorme e tão minúscula. Aquário completamente cheio, alguns do lado de fora, para testemunhar in loco a boa forma de David Thomas e dos seus Pere Ubu, banda com tantos anos de carreira como a média de idades daqueles que esgotaram a lotação do espaço lisboeta. Na calha estava Carnival Of Souls, o seu mais recente disco, e as saudades que o público da capital tinha da mítica banda de Cleveland - a última passagem por cá datava de 2000, num concerto realizado na Aula Magna.

Eis então David Thomas, suspensórios, chapéu na cabeça e vozeirão de pregador baptista, entrando em palco pouco passava das 22h e dando desde logo início ao programa: «vamos inventar durante meia-hora e depois fazer um intervalo», declara, antes dos Pere Ubu entrarem em regime improvisacional que os via ora descerem a uma salutar dissonância bluesy ora a um noise rock tão cru quanto um osso, ruído sem apelo nem agravo e uma bateria possuída pelo demónio. People are strange, dizia-nos. Ninguém será tão estranho quanto o próprio David Thomas, contudo; quarenta anos de uma história rock completamente distinta de tudo o resto levam obrigatoriamente a essa conclusão.

© Vera Marmelo

O intervalo pré-programado trouxe as canções - ou o significado mais literal de "canção" - dos Pere Ubu: depois de uma forte diatribe contra Barcelona, contra "os velhos de cabelo calvo e rabo-de-cavalo ridículo que ainda usam t-shirts do Dark Side Of The Moon" e contra o mundo em geral, ouvimos David Thomas repescar "333", canção retirada de St. Arkansas (2002), antes de enveredar pelo trilho natural e apresentar o que tem feito ultimamente. "Bus Station", dedicada a uma rapariga na audiência que o próprio Thomas tentou "roubar" ao namorado ali presente (não vimos concretamente quem seria, mas imaginamos que se tratasse da jovem ruiva que por lá se passeava, o que faz do Sr. Thomas alguém com muito bom gosto), onde é repetido, bem como no disco, até à exaustão o verso imortal de Screamin' Jay Hawkins: I put a spell on you..., e "Carnival", imediatamente a seguir, introduziram Carnival Of Souls.

© Vera Marmelo

O prato forte estaria na declaração de amor punk presente em "Caroleen", retirada do (apropriadamente?) intitulado Why I Hate Women, de 2005. Até final, a energia dos Pere Ubu dissipar-se-ia lentamente até culminar num David Thomas deitado em palco, baterista privando teatralmente e um público incrédulo a tentar perceber o que se estava a passar até se aperceber de que sim, aquilo era o final, e cinco minutos depois os Pere Ubu terminariam a vender merch ali mesmo e a conceder autógrafos aos mais fanáticos. De nada valeram os gritos de palhaço do caralho!... que se fizeram ouvir... os Pere Ubu acabavam exactamente como começaram: com a bizarria que lhes é própria. Uma bizarria não menos que excelente.
· 05 Dez 2014 · 17:24 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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