Vodafone Mexefest
Lisboa
28-29 Nov 2014
E, no segundo dia, o sol voltou a raiar, e os pássaros chilrearam, e os Big Red Panda trariam o rock bruto, ácido, à Praça dos Restauradores, para colocarem Ponte de Lima no mapa musical. Quanto à figura maior desta bela vila minhota, estava algures a dormir o sono dos guerreiros. Pouco importou ao quinteto, que em vinte minutos fez mais neste Mexefest que muitas bandas terão feito numa hora, levando ao headbanging semi-furioso e tentativas vãs de crowdsurfing por parte dos dois escribas que assinam esta reportagem. Seja como for, ide ouvir estes meninos. Quanto às meninas: um abraço especial para aquela que, no Chiado, ostentava um garboso gorro com o formato de uma pokébola, tricotado à mão própria. Se a reencontrarem avisem-me por e-mail ou pelo Facebook, que quero encomendar um do Charmander. (Paulo Cecílio)

Começaríamos mais a sério o segundo dia já in media res, chegando ao Teatro São Jorge mesmo a tempo de apanhar "Am Gone", canção maior de Gist Is. E se é verdade que não foi com este concerto que ficámos contagiados pelo hype venenoso que rodeia a estreia destes Adult Jazz, também o é que a vitória de terem dado um espectáculo competente e de terem tido a seus pés uma Sala Montepio apinhada já ninguém lhes tira. Ainda assim, continuamos a olhar com desconfiança para quem afirma à boca cheia que esteve aqui um dos melhores concertos do festival; vão por nós e não acreditem em tudo o que vos dizem.

Já o concerto de Sharon Van Etten seria um justo vencedor de tão reputado galardão, tendo feito muito bom homem de barba rija chorar (ou pelo menos ficar com a lagrimita ao canto do olho) com as peças de Are We There, aclamado quarto disco da norte-americana. E é por isso mesmo que não deixa de ser curiosa, quase irónica, a boa disposição com que Sharon sobe ao palco e conversa entre canções - algo que talvez demonstre algum sadismo da cantora, que com "Taking Chances", "Break Me" e outras tantas nos foi partindo o coração. Mas o melhor momento terá sido mesmo "Your Love is Killing Me", ou como lavar o chão do Coliseu com as lágrimas de homens e mulheres feitos. De resto, só ficaram mesmo a faltar "Warsaw" e "Serpents", de Tramp, ainda que desse álbum de 2012 tenha saltado "Give Out", outra daquelas canções capazes de comover as pedras da calçada. De resto, do início, com "Afraid of Nothing", ao fim, com "Every Time the Sun Comes Up", foi um daqueles concertos irrepreensíveis. Volta depressa, Sharon, que já estamos com saudades. (João Morais)

Lembram-se quando, uns parágrafos atrás, falámos do rock bruto e ácido dos Big Red Panda? Falemos do rock bruto e introspectivo dos Cloud Nothings, que voltaram a Portugal depois de - segundo consta - terem espalhado o caos no Primavera Sound do Porto. A lição do emo clássico bem estudada, a nerdice vincada de Dylan Baldi, o punk destruído e reconstruído para uma nova década, noise muito à mistura e turba enlouquecida; a banda de Attack On Memory e Here And Nowhere Else deu um fantástico concerto que por si só justificaria bem o dinheiro do passe. "Fall In", "I'm Not Part Of Me", e "Wasted Days" a foder-nos o corpo todo, o Ateneu a estremecer por todos os cantos e dezenas de alienados a entoarem em uníssono I THOUGHT / I WOULD / BE MORE / THAN THIS enquanto tentavam não partir as trombas uns a outros e nos apontavam, rindo, para as credenciais que ostentávamos ao pescoço suado, como que dizendo "estes gandulos da imprensa são como nós!", e claro que o somos, é por isso que escrevemos sobre música - para encontrar malta com thought processes comuns. Ou, dito muito resumidamente: somos todos adolescentes desajeitados. Os Cloud Nothings sabem-no bem, e é por isso que se afirmam como das melhores bandas rock de 2010 para cima. (Paulo Cecílio)

Quanto ao concerto dos Wild Beasts, não se pode dizer que tenha diferido muito das nossas expectativas - tanto para o bem como para o mal. É certo que estivemos perante uma banda competente, que soube fazer render bem o peixe de Present Tense, lançado este ano, e do catálogo de Smother e Two Dancers com que foram polvilhando aqui e ali o alinhamento (destaque para "Albatross" e "Bed Of Nails", muito bem repescadas a 2011), sendo certo também que retirámos deste espectáculo muita dança e muito intimismo. Mas, para mal dos pecados dos britânicos, não dá para esconder que, à parte de "Sweet Spot" ou "Wanderlust", este último disco padece do mesmo mal de que padecem os seus antecessores: uma mesmice algo aborrecida que teima em instalar-se sempre que o beat se põe confortável e o clímax teima em não chegar. Daí que não surpreenda ninguém que, depois de bem feitas as contas, não haja uma grande diferença entre os sorrisos e os bocejos retirados deste concerto.

Já estávamos prontos para ir para casa, embalados ao som dos Wild Beasts, quando somos avisados de que ainda havia vida na Sala de Jantar do Palácio da Foz, onde os Thunder & Co. faziam a festa rija. Ajudados por Rui Maia (Mirror People) e inspirados, certamente, pela mesma mistura de funk e disco que contagiou o Random Access Memories dos Daft Punk, estes audazes portugueses fizeram questão de encher o espaço mais ínfimo do festival com uma pequena multidão, disposta a gastar as últimas pilhas naquela sala de decoração barroca. Foi com este cenário, que quase parecia copiado frame por frame de uma cena de Marie Antoinette, de Sofia Coppola, que nos despedimos deste Vodafone Mexefest. Para o ano há mais, mas por agora há descanso. (João Morais)

Nota final? Ao que parece, o Mexefest esgotou - o que é óptimo, pois significa que a cada ano que passa existe uma geração que, para o bem (a possibilidade de testemunhar in loco alguns dos projectos musicais mais entusiasmantes da actualidade) e para o mal (arruinar esse privilégio com o fascínio desmesurado pela selfie), cada vez mais toma o gosto por gastar dinheiro em cultura. Da edição de 2014, nenhuma falha a apontar salvo a do costume: há coisas que, pura e simplesmente, não se podem sobrepor em termos de horários. Não neguemos de todo a qualidade de projectos como Éme, Duquesa ou Sensible Soccers; mas colocá-los a competir contra os cabeças de cartaz não-assumidos é concorrência desleal. Voltaremos a encher a baixa em 2015 para perder os quilos do costume. Para já ficamos com as recordações: do chocolate quente, dos Clã, dos Cloud Nothings, de Sharon Van Etten, do bar de strip em que acabámos a noite de sábado com um dos grandes guitarristas deste país imenso. Como diriam pela Internet: 9/10 iria de novo. (Paulo Cecílio)
· 02 Dez 2014 · 18:20 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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