Marissa Nadler
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
05- Out 2014
Para alguém que é tantas vezes conotada com o negrume, Marissa Nadler apresenta-se estranhamente virginal na Galeria Zé dos Bois: vestidinho branco e salto alto, noiva tímida que de quando em vez arrisca dois dedos de conversa com a audiência, quase como se sentisse a necessidade de ser social, de encher este espaço com um amor puro e inquestionável - que foi, entenda-se, precisamente o que fez. Pouco mais de uma dúzia de canções bastaram para nos rendermos incondicionalmente à sua voz, se é que ainda não o tínhamos feito aquando da edição de July, monumento folk que a colocou definitivamente no panteão.

© Luís Martins

E é com July que começa, mais concretamente com "1923", ao lado da violoncelista Janel Lapine. Fascina-nos desde logo aquele registo ao mesmo tempo pueril e sensual, lembrando-nos ora Kate Bush ora Hope Sandoval, na medida em que também elas funcionam como uma rosa; belíssimas quando florescem, mas protegidas por inúmeros espinhos. Neste caso, os versos que nos ferem se não tivermos cuidado: I know better now I don't get as high / That I can't see the leaves turn from green to brown, de "Firecrackers", ou All the things are still in the car, let it freeze, let 'em crack / You slept through the day and the night and the day / You're never coming back, de "Drive". Coisas que à partida soam inócuas até podermos criar um paralelo mui pessoal com aquilo que nos aflige. E da mesma forma que Nadler embala as palavras e as guitarras - três em palco, que ia rodando após cada canção - somos embalados pela dor e pela miséria que saltam destas canções. Em cheio na alma.

© Luís Martins

Após uma espantosa "Was It A Dream" e uma fragilíssima "I've Got Your Name", chegamos a "Your Heart is a Twisted Vine", canção não tão antiga como ela a apresenta - data de 2012 -, belíssima o suficiente para merecer presença neste set onde os corações das pouco mais de cem pessoas presentes no aquário foram flutuando como podiam. O final, esse, surpreende: ao invés de nos presentear com "Nothing In My Heart" e arruinar-nos a semana, opta por uma versão de "Tecumseh Valley", de Townes Van Zandt, arruinando-nos a vida. Nadler em disco é um assombro; ao vivo é um amoroso massacre emocional. Mesmo com aquele jeitinho solitário de falar, não há dúvida que vem do black metal - é possível que nos odeie a todos, Humanidade, e nos queira ver o mais abatidos possível. Ou então ama-nos tanto que nos impele a expurgar os nossos demónios interiores através das suas canções. Seja como for não iremos recuperar tão cedo.
· 06 Out 2014 · 15:45 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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