NOS Primavera Sound 2014
Parque da Cidade, Porto
5-7 Jun 2014
É um ritual sem o qual a cidade do Porto já não pode passar. Já não há Primavera sem Primavera. Aquele que é um dos melhores festivais do mundo é agora também o melhor festival português e isso começa no cartaz e não acaba sequer no mais belo recinto que se possa imaginar: continua por exemplo na linguagem gráfica dos palcos e da publicidade (a mais arrojada e eficaz de todos os anos de festival), na pontualidade, entre outras coisas.

Como habitual, o primeiro dia de concertos não obrigava aos constante saltar de palcos e consulta do horário. Entres os dois palcos principais foi possível ver Rodrigo Amarante a apresentar com superior classe um disco de estreia a solo cheio de motivos para se ter classe, uma muito saudada Sky Ferreira a apresentar canções pop essencialmente irresistivelmente funcionais e aditivas, um Caetano Veloso em boa forma num contexto que não lhe foi excepcionalmente favorável, umas Haim com mais estilo e "pirotecnia" do que conteúdo (tudo foi exagerado, tudo foi "demasiado"), um Kendrick Lamar a varrer tudo com banda completa e baixos esmagadores (dá vontade de ter mais artistas destes por cá - e mais hip-hop) e ainda deu para, no fechar da noite, assistir a um concerto a duas velocidades dos Jagwar Ma, que raramente convenceram totalmente com a sua modernização do som de Madchester. Se tiver que haver um balanço da primeira noite, diríamos que Rodrigo Amarante e Kendrick Lamar, com todas as suas diferenças, foram os reis da noite.

Com o segundo do NOS Primavera Sound chegaram maiores responsabilidades. Já com os quatro palcos em activo, tornou-se necessário fazer escolhas. E algumas escolhas complicadas. Uma delas, a primeira, foi passar as Warpaint para ir ver os Television recriarem um dos melhores discos de guitarras (e sem guitarras) da história da música. Apesar da idade, apesar da falta de fulgor de outros tempos, foi delicioso ver Tom Verlaine e companhia tirarem o pó às canções de Marqueen Moon. Se as Warpaint pudessem também teriam ido até ao palco ATP certamente.

No Palco Super Bock Super Rock, pouco tempo depois, foi altura de revisitar outro clássico - ou dois. Os Slowdive terão surpreendido muito boa gente com um concerto verdadeiramente intenso que pegou em música eminentemente intimista para lhe dar um empurrão sónico admirável. Foram, muito facilmente, uma das surpresas da noite. Tantos anos depois, e com tanto tempo de ausência, os Slowdive deram uma lição de superação. Voltando ao ATP, porque um amor é sempre um amor, foi altura de ver os Godspeed You! Black Emperor assinarem um belo concerto - e com um dos melhores alinhamentos que este que assina este texto teve a oportunidade de ver. Se dúvidas houvesse, resta dizer que os canadianos terminaram com uma interpretação gloriosa de "Moya". Está tudo dito, não está? Os Pixies soaram bem lá ao fundo mas um gajo tem de fazer escolhas.

O nosso final de noite foi praticamente temático. Só deu Palco Pitchfork. Para ver um concerto mais do que divertido de John Wizards (apesar dos graves problemas de som, que foram desaparecendo na segunda metade da actuação), um concerto perto da perfeição de Darkside (que transpuseram os temas de Psychic com um poder admirável) e para terminar a noite com um live quase sempre pujante de Todd Terje, que não foi embora sem antes deixar toda a gente a dançar ao som de "Inspector Norse", um clássico dos tempos modernos. Foi um prazer ficar naquela tenda tanto tempo. Mesmo - ou será acima de tudo por - que a chuva não tenha afinal concretizado as suas ameaças.

O terceiro dia do NOS Primavera Sound foi o mais difícil e por vários motivos. Primeiro porque o cartaz obrigava a uma ginástica quase impossível. Depois porque depois de "dois dias desta Primavera, custa começar a dizer adeus e até para o ano. Mas antes do adeus" ainda aconteceu muita coisa. Aconteceu por exemplo um concerto certeiro dos You Can't Win, Charlie Brown, que pareceram perfeitos naquele fim de tarde de relva. Ainda com a luz do dia, foi agradável ouvir Lee Ranaldo & the Dust tratar bem as suas guitarras (mas não muito mais do quee isso) e foi bom matar saudades de In The Aeroplane Over The Sea, dos Neutral Milk Hotel e daquela vitoriosa celebração daquela música folk maluca com rasgos punk e outros pozinhos que tais. John Grant conseguiu impor a sua música apesar do palco gigante e da plateia imensa mas ninguém naquela noite vendeu melhor o seu peixe do que o fabuloso Charles Bradley, que no palco ATP deu uma grandiosa lição de funk e soul a todos os que acreditaram que os The National ficariam para outra altura. As canções de Victim of Love - e outras - foram um bálsamo de energia; Charles Bradley deu um concerto a todos os títulos memorável.

Depois de ver que St. Vincent continua a ser uma impressionante guitarrista, e depois de recordar o passado glorioso dos Slint, era imperativo dar às ancas aquilo que as ancas queriam: mexer-se. E por isso a despedida do nosso NOS Primavera Sound fez-se ao som dos !!! ainda que o volume do palco estivesse notoriamente baixo. Ainda que os norte-americanos tenham lançado um disco bastante desinspirado nos tempos recentes. Ainda que já não tenhamos todos 20 e tal anos. Para sorte nossa, Nic Offer tem pouco mais de 20, a ver pela forma como enche todo aquele palco com tamanha energia. Lugares comuns à parte, os !!! continuam a varrer os palcos com aquela mistura de punk e funk e disco e tudo o resto. E, de certa forma, o NOS Primavera Sound não podia ter terminado de melhor forma. As saudades já chegaram mas a certeza é uma: em 2015 voltamos a cumprir Primavera.
· 20 Jun 2014 · 00:47 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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