Jazz ao Centro 2014
Coimbra
29 de Maio a 1 de Junho 2014
A edição 2014 do festival Jazz ao Centro – Encontros Internacionais de Jazz de Coimbra voltou a assentar no modelo que já se tornou habitual: vários concertos em diversos locais emblemáticos da cidade e concertos em regime “after-hours” no Salão Brazil. O festival arrancou, ao final da tarde de dia 29, com a actuação da dupla Luís Antero e João Pais Filipe no Centro Cultural Dom Dinis. A actuação consistiu na combinação entre os sons pré-gravados de Antero ("field recordings") e o trabalho de percussão de Pais Filipe. Enquanto manipulava em tempo real as gravações de campo, João Pais Filipe trabalhava um delicado trabalho percussivo que se entrelaçava com as gravações.
Já pela noite o Salão Brazil acolheu os Chibanga Groove, para a primeira de duas noites de concertos com o convidado Ibrahima Galissa. O concerto arrancou com o tema “Indian dance”, um original tocado apenas pelo quarteto-base: Johannes Krieger (trompete), Dan Hewson (piano), Francesco Valente (contrabaixo) e João Rijo (bateria). À segunda música entra em palco o convidado Ibrahima, com a sua kora. A inclusão de uma versão de Don Cherry, logo ao início, acaba por ser representativa do espírito do grupo, ao combinar o groove e improvisação do jazz com uma explícita assinatura africana. A fusão acabou por resultar bem e pelo meio Galissa ainda cantou num par de temas.
Ao segundo dia de festival o Museu Machado de Castro acolheu o concerto do pianista americano Matthew Shipp. O responsável pela “Blue Series” da editora Thirsty Ear, que editou alguns dos discos de jazz e improvisação mais relevantes da primeira década do século XXI, apresentou-se em Coimbra para um concerto a solo, perante uma sala esgotada. O concerto abriu com uma aproximação a um clássico imortal, “Someday my prince will come” – embora a melodia raramente fosse exposta na sua plenitude, Shipp demonstrava desde logo como combinar lirismo e ritmo vibrante na perfeição. O tema transformou-se depois numa bebopalhada – terá andado perto de “Caravan” – para depois continuar a evoluir de forma contínua. Ao longo de uma longa peça única Matthew Shipp demonstrou a sua eficácia, combinando mudanças de ritmo e uma imaginação ilimitada. O concerto durou apenas cinquenta minutos, mas ainda contou com um breve encore. Na noite de sexta-feira o festival prosseguiu no Salão Brazil e o grupo Chibanga Groove + Ibrahima Galissa confirmou as boas indicações dadas na noite anterior.
O dia 31 de Maio, sábado, foi o dia mais intenso do festival: Théo Ceccaldi Trio + Joëlle Léandre no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha às 20h; Joachim Kühn no Teatro Académico Gil Vicente às 22h; e Free Moby Dick no Salão Brazil à meia noite. O trio Ceccaldi contou com a convidada Joëlle Léandre, para a apresentação do disco Can You Smile?. O Mosteiro foi um palco atípico para uma música de natureza quase-camarística. Num primeiro e longo tema as indicações não foram as melhores: apesar da óptima ligação de violino (Théo Ceccaldi) e violoncelo (Valentin Ceccaldi) ao contrabaixo de Léandre, a guitarra eléctrica de Guillaume Aknine soava deslocada, difícil de integrar com as acordas acústicas. O problema, soubemos posteriormente, é que o guitarrista teve de usar para o concerto guitarras emprestadas, não conseguindo alcançar o seu som habitual. Ainda assim, à medida que o concerto avançou a guitarra foi conseguido envolver-se com os restantes músicos e o encontro instrumental acabou por funcionar. Um dos momentos mais inusitados e divertidos ocorreu quando Joëlle Léandre, durante um solo, desenvolveu uma interação musical com os pássaros que cantavam no mosteiro, assobiando num verdadeiro dueto improvável. A união de cordas funcionou bem, apesar do arranque titubeante, o concerto evoluiu para um final triunfal.
Com 70 anos de idade o histórico Joachim Kühn regressou ao Jazz ao Centro, depois de ter tocado na edição de 2006 em trio com Daniel Humair e Bruno Chevillon. No Teatro Académico Gil Vicente o veterano alemão actuou a solo, começando por trabalhar os temas de forma inventiva e tranquila, mas que foi evoluindo cada vez com mais intensidade e energia. Serviu-se ainda de composições de Ornette Coleman, numa actuação que acabou com Kühn a dar tudo, atacando as teclas pretas e brancas com uma intensidade vertiginosa. Essa intensidade era visível nas caretas do pianista, que mostravam uma garra indisfarçável. Indiferente ao peso dos 70 anos, foi ali assinado um dos concertos mais memoráveis do ano.
A última noite de concertos no Salão Brazil coube aos Free Moby Dick, liderados por Stefan Pasborg. O quarteto reinventa temas pop e rock para roupagens jazz, tendo começado o concerto com “Love me tender”, popularizada por Elvis, numa abordagem pouco reconhecível. Passou depois por Led Zeppelin, The Doors e Rolling Stones (a belíssima “Paint it black”, numa versão que não fez jus à original). Todos estes temas, apesar da originalidade dos arranjos, acabaram por soar muito presos, demasiado estruturados, pediam muito mais energia (e menos cérebro). Um dos momentos mais belos da noite foi a interpretação da balada “Johnsburg, Illinois” de Tom Waits, cuja base melódica foi respeitada. “Iron Man” dos Black Sabbath também não desiludiu.
O festival encerrou com um concerto na Casa Museu Bissaya Barreto, na tarde de domingo. O Lisboa String Trio - trio de Carlos Barretto (contrabaixo), José Peixoto (guitarra) e Bernardo Couto (guitarra portuguesa) - aproveitou a ocasião para apresentar o seu recente disco Matéria. A música do trio combina uma clara vertente portuguesa, mediterrânica e jazz, além de uma matriz fado, inescapável por culpa da guitarra portuguesa. Foi um óptimo final para um festival que foi um sucesso de público, sempre com salas cheias.
Já pela noite o Salão Brazil acolheu os Chibanga Groove, para a primeira de duas noites de concertos com o convidado Ibrahima Galissa. O concerto arrancou com o tema “Indian dance”, um original tocado apenas pelo quarteto-base: Johannes Krieger (trompete), Dan Hewson (piano), Francesco Valente (contrabaixo) e João Rijo (bateria). À segunda música entra em palco o convidado Ibrahima, com a sua kora. A inclusão de uma versão de Don Cherry, logo ao início, acaba por ser representativa do espírito do grupo, ao combinar o groove e improvisação do jazz com uma explícita assinatura africana. A fusão acabou por resultar bem e pelo meio Galissa ainda cantou num par de temas.
Chibanga Groove © JACC
Ao segundo dia de festival o Museu Machado de Castro acolheu o concerto do pianista americano Matthew Shipp. O responsável pela “Blue Series” da editora Thirsty Ear, que editou alguns dos discos de jazz e improvisação mais relevantes da primeira década do século XXI, apresentou-se em Coimbra para um concerto a solo, perante uma sala esgotada. O concerto abriu com uma aproximação a um clássico imortal, “Someday my prince will come” – embora a melodia raramente fosse exposta na sua plenitude, Shipp demonstrava desde logo como combinar lirismo e ritmo vibrante na perfeição. O tema transformou-se depois numa bebopalhada – terá andado perto de “Caravan” – para depois continuar a evoluir de forma contínua. Ao longo de uma longa peça única Matthew Shipp demonstrou a sua eficácia, combinando mudanças de ritmo e uma imaginação ilimitada. O concerto durou apenas cinquenta minutos, mas ainda contou com um breve encore. Na noite de sexta-feira o festival prosseguiu no Salão Brazil e o grupo Chibanga Groove + Ibrahima Galissa confirmou as boas indicações dadas na noite anterior.
Matthew Shipp © JACC
O dia 31 de Maio, sábado, foi o dia mais intenso do festival: Théo Ceccaldi Trio + Joëlle Léandre no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha às 20h; Joachim Kühn no Teatro Académico Gil Vicente às 22h; e Free Moby Dick no Salão Brazil à meia noite. O trio Ceccaldi contou com a convidada Joëlle Léandre, para a apresentação do disco Can You Smile?. O Mosteiro foi um palco atípico para uma música de natureza quase-camarística. Num primeiro e longo tema as indicações não foram as melhores: apesar da óptima ligação de violino (Théo Ceccaldi) e violoncelo (Valentin Ceccaldi) ao contrabaixo de Léandre, a guitarra eléctrica de Guillaume Aknine soava deslocada, difícil de integrar com as acordas acústicas. O problema, soubemos posteriormente, é que o guitarrista teve de usar para o concerto guitarras emprestadas, não conseguindo alcançar o seu som habitual. Ainda assim, à medida que o concerto avançou a guitarra foi conseguido envolver-se com os restantes músicos e o encontro instrumental acabou por funcionar. Um dos momentos mais inusitados e divertidos ocorreu quando Joëlle Léandre, durante um solo, desenvolveu uma interação musical com os pássaros que cantavam no mosteiro, assobiando num verdadeiro dueto improvável. A união de cordas funcionou bem, apesar do arranque titubeante, o concerto evoluiu para um final triunfal.
Joachim Kühn © JACC
Com 70 anos de idade o histórico Joachim Kühn regressou ao Jazz ao Centro, depois de ter tocado na edição de 2006 em trio com Daniel Humair e Bruno Chevillon. No Teatro Académico Gil Vicente o veterano alemão actuou a solo, começando por trabalhar os temas de forma inventiva e tranquila, mas que foi evoluindo cada vez com mais intensidade e energia. Serviu-se ainda de composições de Ornette Coleman, numa actuação que acabou com Kühn a dar tudo, atacando as teclas pretas e brancas com uma intensidade vertiginosa. Essa intensidade era visível nas caretas do pianista, que mostravam uma garra indisfarçável. Indiferente ao peso dos 70 anos, foi ali assinado um dos concertos mais memoráveis do ano.
A última noite de concertos no Salão Brazil coube aos Free Moby Dick, liderados por Stefan Pasborg. O quarteto reinventa temas pop e rock para roupagens jazz, tendo começado o concerto com “Love me tender”, popularizada por Elvis, numa abordagem pouco reconhecível. Passou depois por Led Zeppelin, The Doors e Rolling Stones (a belíssima “Paint it black”, numa versão que não fez jus à original). Todos estes temas, apesar da originalidade dos arranjos, acabaram por soar muito presos, demasiado estruturados, pediam muito mais energia (e menos cérebro). Um dos momentos mais belos da noite foi a interpretação da balada “Johnsburg, Illinois” de Tom Waits, cuja base melódica foi respeitada. “Iron Man” dos Black Sabbath também não desiludiu.
Lisboa String Trio © JACC
O festival encerrou com um concerto na Casa Museu Bissaya Barreto, na tarde de domingo. O Lisboa String Trio - trio de Carlos Barretto (contrabaixo), José Peixoto (guitarra) e Bernardo Couto (guitarra portuguesa) - aproveitou a ocasião para apresentar o seu recente disco Matéria. A música do trio combina uma clara vertente portuguesa, mediterrânica e jazz, além de uma matriz fado, inescapável por culpa da guitarra portuguesa. Foi um óptimo final para um festival que foi um sucesso de público, sempre com salas cheias.
· 07 Jun 2014 · 14:45 ·
Nuno Catarinonunocatarino@gmail.com
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