Sun Araw / Laraaji
Teatro Maria Matos, Lisboa
20- Mai 2014
Houve magia no palco do Maria Matos. Bom, não o tempo todo, mas houve alguma magia que nos fez ser capazes de esquecer as dores de crescimento e retroceder a lugares antigos, a memórias felizes e despreocupas. A sentirmos ser quase criançada, pronto. Ontem, quando houve magia no Maria Matos, a culpa foi de três tipos: os Sun Araw primeiro, Laraaji com eles a seguir, e apenas o mestre no final. Abstrairam-se do mundo, da preocupação mundana e levaram-nos com eles, num exercício livre e moldável. Durante uma hora e meia, existimos com eles e nem a possibilidade de chuva lá fora assustava.

© José Frade

É como se estivessem num recreio – e Laraaji chama-lhes playzones por algum motivo – pessoal e seguro, onde o tempo é inerte e a segurança e o desprendimento são totais. Vão os Sun Araw primeiro, cada um no seu pedaço: um na guitarra a ignorar o tempo, outro na electrónica a construir para deitar tudo abaixo no final. Numa meia hora ouviram-se cinco peças, todas elas vagas, mas com uma construção lógica e um objectivo: a fuga ao concreto. Bem vistas as coisas, o som parece ingénuo, por vezes chega a ser trôpego, e afinal nem toda a gente está a curtir a playzone. As projecções de aparelhos de ar condicionado acicatavam o minimalismo delirante (em particular a guitarra fragmentada e reverberante de Cameron Stallones) dos Sun Araw e houve quem saísse. Eles, na segurança do seu recreio, continuaram a arrancar loops ao ar e ordená-los em camadas que planaram um pouco, antes de desaparecerem tão rápido como começaram.

© José Frade

Aquela música de farrapos, solúvel e quebrada foi feita para soar de foram completamente com Laraaji e, quando este sobe ao palco vestido de laranja da cabeça aos pés e se apodera do seu zither, percebe-se que os pequenos retalhos de Sun Araw pertencem a este encontro maior. Com Laraaji em palco, sente-se energia a ser libertada e debitada e a playzone torna-se progressivamente convidativa e tantalizante. Agora sim, há magia que corre numa espécie de stream of consciousness tribal, que atrai em vez de afastar. Por momentos, esquecemos aquele aquecimento dos Sun Araw para nos entregarmos apenas àquele preciso momento em que a guitarra e a electrónica encaixam que nem um luva neste percurso.

© José Frade

Na bancada, vêem-se as primeiras espinhas curvadas e cabeças bamboleantes em sinal de aceitação do transe e da viagem pessoal que começa por ali. Aos poucos, os adornos fragmentados do Sun Araw perdem-se na experimentação cada vez mais expansiva de Laraaji, até desaparecerem por completo e Laraaji ficar sozinho em palco. O tempo não existe e aliás, parece que não há nada além de uma corrente indutiva e um flow imparável que cresce sem pressas e sem sobressaltos – e sem necessidade de um climax propriamente dito. Laraaji joga com os delays e os reverbs, estende e molda o tempo a seu (nosso) preceito para criar longos drones e texturas várias – tudo isto com muita riqueza harmónica, construída entre a voz e a harpa. Sim, aqui também houve alguma magia, que poderia ter sido mais (em quantidade) se o enérgico encontro entre os três tivesse fechado o concerto. Assim até custou menos ter que ir para casa à mercê da chuva e do frio.
· 22 Mai 2014 · 12:18 ·
António M. Silva
ant.matos.silva@gmail.com

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