Dean Wareham
Sabotage Club, Lisboa
06- Mai 2014
Ali pelo Cais do Sodré, entre mulheres da vida e dezenas de clubes mais ou menos notórios, surgiu uma das grandes relevações do 2014 pessoal: o Sabotage Club, casa de bom rock, espaço acalorado onde é preciso cuidado, muito cuidado, para que os dentes não se partam depois de um tropeção no degrau que dá para os lavabos, local onde é possível numa qualquer noite de cegueira encontrar Paulo Furtado a desfrutar de alguma coisa psicadélica com rótulo anos sessenta ou numa mais sóbria ver Dean Wareham colocar um esgar enorme de felicidade nas caras de malta das webzines (estou a falar de ti, Gonçalo Trindade).

© Rita Sousa Vieira

Wareham regressou ao país com o seu primeiro longa-duração a solo na bagagem, mas foram as canções dos sempre relevantes Galaxie 500 que marcaram a noite. Não é para menos - estamos a falar de uma das maiores e melhores bandas do panorama indie norte-americano de finais de 80, início de 90. Ainda que Dean Wareham, o disco, seja uma maravilha pop à espera de explodir nos quartos de adolescentes mais ou menos deprimidos e/ou com vontade de foder, são canções como "Temperature's Rising" (logo a abrir) que nos deixam pasmos e com vontade de acreditar que por uma noite apenas o mundo pode ser um lugar melhor.

© Rita Sousa Vieira

Não nos iludamos: Dean Wareham não é o melhor guitarrista do mundo, muito menos o melhor cantor. Tem falhas sérias, porque é acima de tudo humano. E é a partir dessas falhas que constrói canções como poucos o fazem - humanas, como ele, quentes como a temperatura que sobe na sala quando arranca para "Emancipated Hearts" (do primeiro EP enquanto apenas Dean Wareham) e "The Dancer Disappears". E ternas, ao ponto da lágrima, a lágrima que rola de felicidade, quando parte uma corda da guitarra e é obrigado a tocar essa maravilha gigante que dá pelo nome de "Don't Let Our Youth Go To Waste" (original de Jonathan Richman, mas o próprio não se importará se dissermos que há muito deixou a canção de ser dele), que não estava prevista (nós, os espertos, mirámos a setlist pousada em palco antes de começar) mas ganhou a noite. Talvez tenha ganho mesmo o ano.

© Rita Sousa Vieira

Perante um Sabotage algo despido, o que se explica razoavelmente bem (três razões principais: primeiro, o preço dos bilhetes, embora compreensível; segundo, o facto de 90% daqueles que poderiam estar interessados neste concerto terem filhos e empregos que não permitem loucuras a uma terça-feira; terceiro, a vinte metros dali um tipo que vai pelo nome Forest Swords arrastava consigo gente sedenta de hype), Wareham foi justificando o porquê de ter regressado às canções em 2014, com "Heartless People" na dianteira, não negando esse olhar ao passado tão em voga nos dias que correm. Retromania? Retro nunca - "Tugboat" e "Fourth Of July" são intemporais -, mania sim - o final, catártico, com a conhecida versão de "Ceremony" (Joy Division / New Order), que havia sido pedida publicamente por outro célebre jornalista desta mui nobre praça. O resultado foi um concerto maravilhoso de hora e meia onde nada faltou ("Pictures", vá). Houvessem mais noites e músicos assim e a crise era só uma palavra feia no dicionário.
· 07 Mai 2014 · 15:10 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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