Sérgio Godinho
Teatro São Luiz, Lisboa
12- Abr 2014
© Estelle Valente

“Eu nunca fui do prog rock, eu já nasci depois do PREC”, cantava o outro. Embora frequentemente associada ao cancioneiro de Abril, a música de Sérgio Godinho não ficou fechada no tempo, não se resume a uma curiosidade arqueológica, tem conseguido sobreviver com pertinência e actualidade ao longo de várias décadas. Godinho será mesmo o cantautor da sua geração que melhor soube fazer a gestão da carreira de forma continuada e a sua música conseguiu chegar a quem nasceu depois do PREC.

Integrado nas comemorações dos 40 anos do 25 de Abril, este concerto tinha por mote a palavra “Liberdade”. Godinho poderia ter aproveitado para, revisitando o passado, desenhar um espectáculo com uma exclusiva atenção política. Este espectáculo, apresentando ao longo de três noites no São Luiz, acabou por ser mais uma variação de um possível “best of”, com algum lado político integrado.

Essa faceta política esteve presente, naturalmente: “Maré alta” (aquela onde se canta que “a liberdade está a passar por aqui”), “Liberdade” (“a paz, o pão, habitação, saúde, educação”), “Fotos do Fogo” (sobre a guerra colonial), “Que força é essa?” (esta já no encore). Godinho incluiu também um tema seu menos conhecido sobre a revolução, “Foi aos 25 dias de Abril” - tema destinado a um público infantil, escrito em parceria com Jorge Constante Pereira (com Godinho, co-autor da música d’Os Amigos de Gaspar).

José Afonso foi evocado, não só pela canção “Quatro Quadras Soltas”, tema que gravou com Godinho, mas também pelas interpretações de dois temas seus: a actualíssima “Os Vampiros” (“eles comem tudo”) e “Na rua António Maria”, sobre a PIDE/DGS - curiosamente, o antigo edifício da sede da polícia secreta fica na mesma rua do São Luiz (“é importante que não se apague a memória”, avisou).

Apesar de ter estado presente, essa vertente política poderia ter sido mais aproveitada. Acabou por haver alguma dispersão quando se passou pelas canções onde Sérgio Godinho faz retratos sociais, de relações humanas e intimidade: “Espalhem a notícia”, “Lisboa que amanhece”, “Etelvina”, “Balada da Rita” (incrível Gisela João, convidada). E as eternas “A noite passada” e “O Primeiro Dia”, que mantêm a capacidade de deslumbrar. Das mais recentes, Godinho passou por “Acesso Bloqueado” (do recente Mútuo Consentimento, 2011) e, ainda mais fresco, “Tem o seu preço”, novo tema que Godinho escreveu para a peça Tropa Fandanga do Teatro Praga.

A actriz Maria João Luís subiu ao palco para participar num fortíssimo momento spoken word (em “O Fugitivo”). Menos interessante foi o outro convidado, o cantor Jorge Benvida, cuja voz demasiado pirotécnica não encaixa nos temas de Godinho. Os arranjos novos para temas velhos acabaram por não favorecer, em alguns casos desfizeram mesmo a essência das canções. Apesar de tudo, apesar da dispersão temática (entre a política e a intimidade), apesar da eficácia variável dos arranjos, Godinho foi Godinho. Com liberdade.
· 14 Abr 2014 · 21:18 ·
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
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