José Cid
Aula Magna, Lisboa
11- Abr 2014
© Bruno Mendes

“Eu nunca fui do prog rock, eu já nasci depois do PREC”, cantava o outro. Para a maioria José Cid pouco mais será do que uma anedota e alguns refrões populares à mistura com mitos urbanos. Longe das televisões, o disco 10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte terá passado quase despercebido na altura da sua edição, em 1978, mas com o passar dos anos foi ganhando um culto fervoroso entre os seguidores do rock progressivo. O disco começou a aparecer regularmente em listas internacionais, fez furor entre colecionadores (o vinil não é vendido por menos de três dígitos). Inicialmente subterrâneo, esse culto foi sendo exponenciado, sobretudo através da internet.

36 anos depois da edição do disco, José Cid agarrou a oportunidade de tocar ao vivo o disco na íntegra. A Aula Magna encheu-se para ouvir esse disco que parte de uma temática de ficção científica, com a música a assentar nas características típicas do prog: excesso de ideias, temas embebidos de teclados, mudanças de tempo, onde dentro da mesma canção se ouvem momentos de tensão enérgica alternados com momentos mais tranquilos, quase abaladados.

O concerto arrancou com outros dois temas de rock progressivo de Cid, outras gravações do mesmo género e da mesma época: “Vida (Sons do Quotidiano)” de 1976 e um tema de “Onde Quando Como e Porque Cantamos Pessoas Vivas” (de 1974). Ainda antes de chegar ao disco-referência, Cid aproveitou a ocasião para mostrar quatro novos temas de um futuro disco de rock sinfónico, “Vozes do Além”, planeado para sair em 2015. Se a presença dos dois primeiros temas fez sentido, já estas novas canções não tiveram a mesma pertinência, mas acabaram por não soar muito desenquadradas.

Chegou então “10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte”, com a interpretação a respeitar na íntegra o alinhamento do disco: “O Último Dia na Terra”, “O Caos”, “Fuga Para o Espaço”, “Mellotron, o Planeta Fantástico”, “10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte”, “A Partir do Zero” e “Memos”. Os colaboradores do disco de 78 (Mike Sergeant, Zé Nabo e Ramon Galarza) foram aqui substituídos por um conjunto de músicos mais jovens, que mostraram competência.

Apesar das condicionantes logísticas, as interpretações de cada tema estiveram próximas do som do disco, sobretudo pelos contributos de Chico Martins (na guitarra, levando a sério o papel de “guitar hero”) e Augusto Vintém (nos teclados). A secção rítmica (Samuel Henriques na bateria, Pepe no baixo) mantinha a tensão e a dupla de vozes (Zé Perdigão e Carmo Godinho) complementava os coros.

Na linha de Yes, Genesis ou Pink Floyd, a pomposidade de cada tema de 10.000 Anos Depois… é uma aventura em si mesma. Cid esteve contido no discurso, ficando-se pela apresentação das músicas e por alguns agradecimentos. A “comunicação com o público” passou pela música (como devia ser sempre). O concerto foi acompanhado de projecções animadas e o óptimo trabalho de luz deu o complemento perfeito à música.

O público, que encheu a Aula Magna, mostrou um enorme entusiasmo (incluindo algum exagero) ao longo de todo o concerto e, obviamente, obrigou ao encore. Cid não fugiu ao programa e já no final repetiu dois temas do disco - “O Caos” e a homónima “10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte”, com todo o público a entoar o longo refrão ondulante: “Podes ver / 10.000 anos depois / no ecrã do radar / entre Vénus e Marte / um planeta vazio / à espera que o descubram / onde recomeçar / outra civilização”.

Esta oportunidade raríssima para ver 10.000 Anos Depois… ao vivo revelou o outro lado de Cid. Mesmo quem nunca foi do prog rock e nasceu depois do PREC, teria curiosidade em conhecer esse outro lado. Cid cumpriu, com toda a dignidade.
· 14 Abr 2014 · 18:15 ·
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
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