Out.fest - Skullflower / Carla Bozulich´s Bloody Claws / The Fall / HHY & The Macumbas
G. D. Ferroviários, Barreiro
12- Out 2013
Se o propósito do Out.Fest é, dito de modo geral, apresentar música que se situe fora do espectro da "normalidade", o melhor concerto que vimos pelo Barreiro por estes dias há-de ter sido o da banda lounge que agraciou os clientes do restaurante dos fuzileiros. E se dentro desse espectro há coisas mais "desafiantes" do que outras, o prémio OH MEUS DEUS, TENHO OS OUVIDOS A SANGRAR do ano vai para o senhor a quem um dia disseram que sabia cantar Paulo Gonzo, muito mais difícil de digerir que os Skullflower, que abriram a última noite do Out.Fest com um noise característico mas ao qual faltou alguma pujança e, sobretudo, tempo: vinte minutos é pouco, muito pouco. Ainda assim, esses vinte minutos foram melhores que 90% das merdas que o pessoal ouve, e destinados sobretudo a melómanos plenos de paciência - que foi coisa que Carla Bozulich não teve, ao ameaçar de porrada um indivíduo sobejamente alcoolizado ainda antes de iniciar o seu setPaulo Cecílio

Dez e meia da noite e dois terços da enorme multidão que circundava a área do pavilhão volta a entrar nele porque no palco arrancava uma pequena grande mulher: Carla Bozulich. Surgiu munida de Bloody Claws, respeitando o código da própria formação: mutante, livre e contínua. Desta vez o “nosso” grande Manuel Mota acompanhou o habitual Francesco Guerri. Começou logo por conseguir expulsar um dos piores bêbados do recinto, segundo testemunhas “um fã dos The Fall que veio de muito longe”, talvez razão da sua impaciência, e da falta de abertura para trocar Mark E. Smith por um pouco de Carla. Saiu escoltado por membros da organização; se voltou mais tarde, ninguém sabe, e não interessa; apenas serviu para dar um toque ainda mais Patti Smith à Carla, que insurgente, monitoriza a desconstrução da guitarra e do violino acompanhantes, uma sequência de “Pussy!” celebratórios, uma espécie de missa com Pussy Riot onde a Pussy ganhou ao Riot. Tudo isso ali, no G.D. Ferroviários, assumiu contornos de magia retro. Carla avançou no seu cabaret noise no laivos de Evangelista, que deixa a Patti Smith para entrar aos poucos em locais mais numa onda sem sotaque da Dagmar Krause dos Slapp Happy, e aos poucos tornar-se cada vez mais experimental e desconstruída, conseguindo atingir na voz aquele local minimal, esparso e etéreo onde o fantasma de Mimi Goese passeia. Por momentos, fechava os olhos e imaginava-me a ver Hugo Largo em 88 num qualquer pavilhão de um liceu americano, provalmente onde “The West is the Best”. Momentos épicos que não aqueciam toda a gente, mais à espera do que vinha a seguir, mas que ainda por cima eram aprimorados por transições dos Bloody Claws que nos transportavam para Tangerine Dream do primeiro álbum. Uma maravilha que acabava uma hora depois, com uma frase de ordem, como não podia deixar de ser. Carla despede-se com um rotundo “HEY THE FUCKING THE FALL WILL GONNA PLAY RIGHT NOW!”. Nuno Leal

Malhas dub invadiam o espaço em regeneração para o que vinha a seguir. A banda realmente seria maior agora, há mais parafernália, dá para beber uns bons copos a despachar senhas, porque o corpo precisa de estar ao nível do corpo do Mark E. Smith, e essa fasquia é alta. Quando parecia que ia começar, surge uma óptima surpresa: um VJ convidado pela banda que irrompe no campo de visão de todos com uma projeção na parede de proporções tragicómicas, aliada à descontrução sonora do que se vê. Por ali andou Donna Summer do “I Fell Love” a degenerar em mantra de êxtase de hélio onde surge um Freddy Mercury a cantar “Who Wants to Live Forever?” em cima de “Relax, Relax” de um assim à primeira desconhecido apresentador inglês de TV. De repente pára tudo e o pavilhão já totalmente cheio pensava ser finalmente a entré dos The Fall, mas não. Surge uma magnífica reinterpretação de Elvis Presley era-gordo-em-Vegas preso num loop que massacrava já a audiência, que se roía de ansiedade à espera de que um Mr. Pharmacist os salvasse, quando só o riso os poderia salvar, tal era a loucura de ver até um pequeno Michael Jackson surgir ali no meio daquele caos organizado a apresentar finalmente os The Fall. E assim lá entraram. A banda que provavelmente tem discos a mais, uma espécie de Manchester United (desculpa Mark City fan) onde há uma grande figura sempre presente (Mark) e uma gloriosa história feita por um sem-número de grandes jogadores por lá passaram, uma autêntica roleta russa de concerto bom/concerto não tão bom. A equipa actual não rivaliza com os grandes campeões de fins de setenta, inícios de oitentas, mas é competente para ir à UEFA sempre. De resto, Mark E. Smith igual a si próprio. Muitas músicas do seu disco mais recente (quiçá até demais), algumas achegas ao passado, onde o tal “Mr. Pharmacist” tinha de estar presente tal foi a dor de cabeça (para alguns) provocada pelo VJ (hats-on mr. VJ!). Não tenho a certeza, o álcool já tinha tocado conta do meu corpo, mas penso que ouvi “I am Damo Suzuki”, será? Ou estarei a ser enganado por uma memória selectiva tão narça como o Mark, já em plena uma da manhã, que recebeu de braços abertos e um papel com a letra, a invasão de palco de um senhor - um dos muitos que por lá havia, a malta cota dos 40, OS VERDADEIROS FÃS - no seu blazer e buba impecáveis que ainda gritou q.b. naquela vociferagem tão E. Smith, durante um dos melhores minutos da sua vida. Reza a lenda que até houve encore (houve mesmo? Não sonhei?). Só sei que dei por mim a voltar pela ponte 25 de Abril com o This Nation’s Saving Grace a dar à tuning. E não havia GNR por ali. Nuno Leal

Já após uma debandada previsível os HHY & The Macumbas encerraram a noite com percussão imensa, desvarios pseudub (foda-se, sou tão inteligente) levando-nos numa viagem através de territórios selvagens à procura de um Kurtz qualquer, colocando em trance os sobreviventes que por ali se encontravam nas filas da frente e que só por muito pudor ou esquecimento não tiraram toda a roupa. Macumba o Muerte, já diziam os ZA!; os HHY talvez estejam para lá da morte, providenciando a banda-sonora da carona de Caronte pelo rio Estige. O calor dentro do pavilhão também ajudou bastante ao clima... Paulo Cecílio
· 14 Out 2013 · 23:09 ·

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