Scout Niblett
Teatro Maria Matos, Lisboa
09- Out 2013
Nunca voltes ao lugar onde já foste feliz, canta-nos um indivíduo aborrecido e que usufrui de um estatuto demasiado grande para aquilo que produz, que é absolutamente nada que valha a pena, e peço desde já desculpas antecipadas ao Óscar Silva, vulgo Jibóia, bem como a todos os seus fãs; canta-nos e há que o citar, porque independentemente da xaropada popular do verso, este descreve na perfeição não só o novo disco de Scout Niblett (as in: um excelente conselho que alguém, após uma noite de fado e vinho numa tasca perdida no Bairro Alto enquanto ela por cá pernoita, lhe deverá dirigir com o pensamento incidindo sobre a temática do mesmo) como o meu próprio regresso a este teatro, balancé onde já passei pelo desespero em formato Magnetic Fields e pelo êxtase nas mãos de Alva Noto e Ben Frost - tudo coisas extramusicais, se é que ainda não perceberam, ou talvez não o sejam tanto quanto isso. Tive de voltar a este lugar porque a figura amável de uma britânica que descobriu o grunge na adolescência a isso me obrigou. Tive de voltar porque It's Up To Emma é obra feita por alguém que precisa de uma enorme massa humana a dar-lhe alguma companhia numa noite arrefecendo. Tive de voltar e comprar uma arma.

© Luís Martins

Arma, "Gun", de prata ou de ouro fino, é ela que surge ali por volta dos dez ou quinze minutos no primeiro grande momento de um concerto que se antevia emocionalmente destrutivo (aviso: não escutar It's Up To Emma se se sofrer de desgostos, crises hepático-amorosas, memórias demasiado vívidas ou transtornos quasi-obsessivos/compulsivos no que toca a não desistir), mas que acabou por ser, por culpa da própria Scout, um agradável embalo pelas canções que dela fazem um caso muito sério de estudo e perseguição otorrínica; há ali uma emoção clara na sua voz, há ali uma tremenda vontade de chorar - I want the tears to come, the sooner they start the sooner I'll be done, ouvimos em "What Can I Do?" antes do encore -, há ali angústia e sofrimento e carne a ansiar não ser rasgada pela palavra ponta-e-mola do amante que a/nos ignora, mas há também, entre canções, um sorriso tão terno que parece que é aquela menina (sim, menina, não a insultem com numerologias etaístas) loirinha que ali está para nos confortar e não o contrário, como seria de esperar. Por outro lado, há sempre algum conforto no fundo do poço. "Can't Fool Me Now", "My Man" e "Second Chance Dreams", todas de rajada, foram ao mesmo tempo poço e amparo. Talvez seja essa a sua maior força: Scout Niblett faz canções para quem se sente na merda sentir-se ainda mais na merda e, através de um processo centrífugo e extremamente paradoxal, deixar de se sentir nessa mesma merda. Complicado de perceber e de explicar. Tal como o amor, portanto.

© Luís Martins

Quem tem medo de Scout Niblett? Todos quantos amam alguém nas suas vidas e regressaram aos lugares onde já foram felizes para levarem com um pano encharcado de mágoa nos rostos abatidos, todos quantos suspenderam a respiração por breves milésimas antes de baterem palmas sempre que a própria terminava uma canção, todos quantos pularam das cadeiras nos gritos punk de "Nevada", todos quantos se regozijaram com "Let Thine Heart Be Warmed" ou suspiraram perante a aparição de "Kiss" (she kissed me and it felt like a hit, cantaria outra grande pessoa se a tivesse vindo ver) já passava da hora de concerto, e especialmente todos aqueles que ficaram sentados nos seus lugares, receando que o mínimo movimento que não fosse o de aplauso levasse aquela mulher-força-da-natureza ou analogia-para-a-fuckedupness-pessoal para longe daquele espaço, após o feedback com que terminou a prestação de "Hot To Death", sacada a 2005 para fazer de 2013 um lugar melhor. Scout Niblett passou por um péssimo momento e criou um disco fantástico ao qual juntou um concerto tremendo; a mim, que nem um acorde conheço, só me resta endeusá-la.
· 10 Out 2013 · 22:59 ·
Paulo CecĂ­lio
pauloandrececilio@gmail.com
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