Night + Day
Jardins da Torre de Belém, Lisboa
05- Mai 2013
Que estranho que os XX (escreve-se em minúsculas, já sabemos) não tenham recrutado KiD CuDi para vir até aos Jardins da Torre de Belém para que dez mil pessoas pudessem entoar "Day N' Night", o que teria sido uma enorme meta-piada cuja ironia não se perderia na larga massa juvenil que, pelas duas da tarde, se sentava já à entrada do recinto de forma a obter um lugar privilegiado (?) junto dos seus ídolos (??); os festivais portugueses, esquecendo que nos últimos anos têm grosso modo apresentado propostas imensamente válidas nos seus cartazes, relembram-nos sempre que não somos exclusivamente uma nação de poetas, como nos diz José Mário Branco: somos igualmente uma nação de corredores, de estafetas, de pessoas dotadas de uma enorme paciência, excepção feita ao excessivo zelo de um segurança que deverá pensar que um festival a céu aberto é uma prisão fechada onde deveremos permanecer quietos e em silêncio, sem nos atrevermos a tentar pisar o mundo lá fora, mesmo que dentro do recinto não existam caixas multibanco e a fome aperte. Um cala-te e come cortado a meio, portanto.

© Rita Sousa Vieira

Enquanto Bruno Cardoso, alias Xinobi, ia desfilando um rol de malhas para dançar no sentido de animar um pouco mais a tarde solarenga, Tame Impala e Moullinex ecoando pelo recinto, os PAUS preparavam-se para entrar em palco, falavam com amigos, tiravam fotos para as suas contas no Instagram, subiam finalmente ao principal pouco passava das 18h para um concerto em modo best of mínimo: "Pelo Pulso", "Muito Mais Gente" e "Mudo e Surdo", a fechar, tiveram obrigatoriamente de marcar presença na escassa meia hora que lhes foi alocada, onde não foram os teclados que nos fizeram sentir coisas mas a guitarra de Fábio Jevelim; os PAUS estão diferentes, se para melhor não se sabe ainda, para pior não é de certeza, e da maneira que foram acarinhados pelo público o futuro deles é radiante.

© Rita Sousa Vieira

Os Mount Kimbie chegaram para apresentar as canções do mais recente Cold Spring Fault Less Youth. Também vieram para fazer de conta que são James Blake. Electrónica suave, demasiado suave para que nos dignemos a prestar-lhe mais atenção do que às filas de cinquenta/cem metros da barraquinha do Licor Beirão, um estudo sociológico muitíssimo mais interessante do que tentar perceber como é que existem pessoas que aguentam um concerto de Mount Kimbie sem cair no ressonar. Por outro lado, existem pessoas que aguentam a brincadeira tosca que Kalaf Ângelo chama de MCing (e que durou todo o festival). Somos um bando de velhos cabrões resmungões, mas vocês também não ajudam.

© Rita Sousa Vieira

John Talabot pertence àquele grupo de músicos que terá já comprado uma casa junto ao mar português, como os Nouvelle Vague, os The National e os Metallica; o catalão, que ainda há pouco esteve no Porto, também andou em serviços mínimos (os horários apertavam) mas distribuiu uma senhora jarda de electrónica, nomeadamente os temas de ƒIN, que muito provavelmente será um dos discos mais importantes desta década. Com Pional igualmente em palco, pôde ouvir-se "Oro Y Sangre" e "Destiny" (mas não "When The Past Was Present", apesar de o soundcheck ter indicado que esta enormidade faria parte do set), e pôde igualmente viver-se um primeiro momento de loucura generalizada quando Romy Madley-Croft e Oliver Sim entram para cantar "Chained", canção sua remisturada por Talabot. Como fazer uma rave em cerca de quarenta minutos e sem álcool, drogas ou madrugadas eternas: tivesse durado mais meia horinha e teria sido sem espinhas um dos concertos do ano.

© Rita Sousa Vieira

Dos Chromatics não há muito a reter senão isto: dance-pop sem sal que faz lembrar os piores momentos do trance com voz e o melhor das ceias natalícias, que é o bacalhau regado a azeite. A miudagem adora, claro. Por outro lado, quão diferentes serão eles dos mui estimados Saint Etienne, quando até também têm uma versão de Neil Young no seu repertório? Eram dos mais aguardados e fizeram por não desiludir, permitindo a toda a gente o seu divertimento pessoal: para uns um pequeno pé de dança, para outros uma desculpa para ir beber. Os segundos percebem mais a vida, parece.

© Rita Sousa Vieira

O mundo dos The XX é um mundo carregado de negrume onde a vida é um constante coração partido e o amor tem tanto de bonito como de miserável. O nosso mundo, então. Com Coexist na bagagem, o trio britânico deu um concerto que cumpriu; bastantes temas novos, mas igualmente "Heart Skipped A Beat", "Crystalised" (como não amar o arrastar sonoro deste final? Goooooo slooooooow...) e "Shelter" em modo dançável e cantada por cada qual das almas ali presentes. Há gente que lacrimeja, há outros a quem parece que lhes devolveram o valor pela vida, há casais que trocam carícias, e há agradecimentos muitos à organização, às bandas, à Molly dos Young Turks e, como não podia deixar de ser, à cidade e ao público. Não terá sido o melhor concerto dos XX - o primeiro, na Aula Magna, continuará a ter aquele sabor especial - mas fez-nos pensar que, neste mundo que os Sonic Youth construíram há trinta anos ao gritar kill your idols, ainda existem bandas capazes de ser gigantes. Os XX têm um público fiel, uma estratégia semiótica (t-shirts com o "X", hoodies com o "X", "X" feitos a fita cola preta) e um punhado de belíssimas canções. Estão, assim, no bom caminho. O final com a famosa "Intro" e com a bonita "Angles" finalizou um êxtase que se havia prolongado ao longo do dia, que conheceria a sua ressaca com James Murphy. E prometeram (oh, desconfie-se sempre) voltar em breve. Até já.
· 07 Mai 2013 · 00:05 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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