Leonard Cohen
Pavilhão Atlântico, Lisboa
07- Out 2012
Se Neil Young é o tio que todos gostaríamos de ter, dono de trova sapiente e rebelde, Leonard Cohen guarda para si o papel de avô. Nas canções do (igualmente) canadiano guardam-se pequenas lições de vida, de amor, de classe e de educação - essencialmente, tudo aquilo que o músico de 78 anos mostrou nas três passagens anteriores por Lisboa, sendo que esta, com disco novo na calha, não foi excepção. Durante mais de três horas, Cohen (e por agora passe-se o cliché, de tão usado que está, mas que tão verdadeiro continua a ser sem soar ridículo que não existe outro modo de descrever os seus concertos) declamou poemas atrás de poemas, acompanhamento musical em fundo, num espectáculo para aquecer corações tão magoados quanto os do público que compôs o Pavilhão Atlântico. Expliquemos: ninguém entra num concerto de Leonard Cohen por estar alegre. Vamos para nos reconhecermos nas suas canções, autofágicas, autocríticas, para nos inspirarmos de dó tanto por ele como por nós, porque afinal de contas Cohen canta-nos a todos, e para com ele nos rirmos, de si, de nós, do absurdo, ganhando, neste exercício, vontade para continuar a prosseguir independentemente do que vem de trás. Assim sucedeu sempre que ele por cá passou nestes últimos quatro anos. Assim sucedeu igualmente esta noite, outubro quente do qual nem o devaneio futebolístico conseguiu distrair, mal se escutou a primeira canção: "Dance Me To The End Of Love".

© Pedro Almeida

Ei-lo, então, prometendo dar tudo de si antes de seguir para "The Future" e "Bird On The Wire", temas negros, dolentemente tristes, mas cantados com uma jovialidade tal que seríamos tentados, num qualquer acesso de loucura, a afirmar que as palavras de Cohen não servem então para nada; depois escutamos versos como os de "Sisters Of Mercy", após a belíssima "Who By Fire", e engolimos tal pensamento em seco, pedimos perdão ao Grande Ente Imaginário pela blasfémia cometida. A voz de Cohen ecoa, ele que a vai arrancando da alma a cada minuto que passa, tão grave e tão terna em proporções exactas, até se ver acompanhada pelas cantoras que o acompanham, para a primeira canção retirada de Old Ideas: "Come Healing". Não será esta que arrancará a primeira gargalhada do público presente, que esteve sempre em sintonia com o cantor. Reservou-se tal feito para "Going Home", onde se descreve como não mais do que a lazy bastard living in a suit. Ache-se verdade ou mentira, é irrelevante para o caso: Cohen assume uma espécie de papel de mártir para que possamos, todos, sentirmos-nos mais felizes, mais confiantes. Ou menos sós. À espera de um milagre, que surge depois, na canção com esse mesmo título, de The Future, álbum de 1992.

© Pedro Almeida

Tomando a liberdade de apresentar ao público, carinhosamente, todos os elementos do grupo que o acompanha, Leonard Cohen partiu para um intervalo de cerca de vinte minutos, regressando com a maioria dos seus clássicos na algibeira. Assim o é "Tower Of Song", onde lhe é permitida uma certa arrogância, ao homem da voz de ouro (admissão que lhe vale um dos grandes aplausos espontâneos da noite), passando para "Suzanne", belíssima canção que, neste contexto de concerto ao vivo, para mais num espaço tão enorme, perde em intimismo, mas ganha em riqueza musical. "The Gypsy's Wife" e "Democracy" seguir-se-iam antes de Cohen oferecer "Coming Back To You" às Webb Sisters, duo possuidor de vozes angelicais, e "Alexandra Leaving" (oh, a ironia!) a Sharon Robinson, parceira musical de há mais de trinta anos. E depois, a canção preferida dos românticos inveterados, dos homens que se lançam num abismo terrível de cada vez que se apaixonam: "I'm Your Man", claro está. Plena de promessas que se fazem no calor de uma emoção tão forte quanto o é o amor, este tema de 1988 seria secundado pela sua mais famosa canção, tanto mais não seja pelas inúmeras versões que se dela fizeram, e que de imediato despoletou uma vaga de smartphones dispostos a capturar cada momento da actuação, algo que inspiraria asco não fora o facto de "Hallelujah" nos levar para lá de todo e qualquer ódio.

© Pedro Almeida

Uma magnífica actuação de "Take This Waltz", que mereceu um pé de dança por parte de casais mais libertos, fechou esta segunda metade de concerto da melhor maneira possível, isto antes de Cohen abandonar o palco para regressar com mais seis (!) canções, divididas em três encores, já com algum público nas cadeiras da frente a levantar-se e a juntar-se em frente ao palco e o restante a colocar-se respeitosamente de pé para cantar "So Long, Marianne" a plenos pulmões. Depois, "First We Take Manhattan" daria lugar a "Famous Blue Raincoat", à enganadora "Closing Time" e a "I Tried To Leave You", antes de Cohen, agora sim, abandonar Lisboa com "Save The Last Dance For Me", versão dos The Drifters. E com o papel mais do que cumprido: rimos, chorámos, chorámos e rimos novamente. Até breve, Leonard Cohen, músico que não cansa ver, artista que, mais do que ninguém, sejam os insossos Nouvelle Vague ou os progressivamente chatos Metallica, merece uma residência no nosso país, deveria poder actuar todas as semanas num sítio português à sua escolha. Uma noite que, como as outras, perdurará para sempre na memória.

© Pedro Almeida
· 08 Out 2012 · 22:13 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
RELACIONADO / Leonard Cohen