FMM Sines 2012
Sines
24-28 Jul 2012
As músicas do mundo na cidade-estaleiro

Num fim-de-semana em que os hipsters ocuparam Barcelos para mais uma edição do Milhões de Festa, os freaks voltaram a rumar a Sines, capital portuguesa da world music ao vivo. A cidade do litoral alentejano acolheu nova edição do Festival Músicas do Mundo (FMM) mas desta vez faltou-nos a avenida da praia como extensão geográfica e sentimental da música. A Avenida Vasco da Gama apenas esteve operacional em cerca de metade da largura por causa de umas obras de requalificação que serpenteavam encosta acima e que transformaram Sines numa cidade-estaleiro.

Segundo a organização, as obras, apesar das limitações que provocaram este ano, representarão um acrescento de valor já em 2013. Mas a verdade é que a requalificação fez recuar o palco junto à praia até ao rochedo Pontal, reconvertido assim numa acanhada estrutura com uma frente de palco diminuída na lotação e no conforto dos que ali se aglomeravam. Enfim, como no “Casablanca” de Bogart e Bergman, em Sines teremos sempre o Castelo que se mantém uma fortaleza logística e um dos grandes palcos ao ar livre deste país.

Público © Sofia Costa / CMSines

Escrevíamos lá em cima que o primeiro fim-de-semana prolongado (19-21 de Julho) do FMM Sines deste ano começou com a concorrência do novo segredo mais mal guardado de Barcelos. “O público de um não é o público do outro”, vociferará o leitor mais atento em estado de quase-indignação. Argumentemos então que essa divisão tribal entre hipsters e freaks já se esbateu há muito e que em tempos de austeridade há que fazer escolhas no Verão festivaleiro.

Chegámos ao Castelo na sexta-feira, dia 20, com uma longa jornada de trabalho em Lisboa a terminar em Sines com Al-Madar, a ponte musical entre o Líbano e Nova Iorque, e o encontro entre L´Enfance Rouge e o grande músico árabe Lofti Bouchnak. Na realidade, o matrimónio revelou-se uma pequena desilusão: vimos a melhor banda europeia da actualidade (palavras de Thurston Moore) na avenida da praia no FMM 2009 e guardamos desse fim de tarde melhores recordações.

Al-Madar © Sofia Costa / CMSines

Outro encontro que Sines promoveu este ano foi o dos Dead Combo com Marc Ribot, que já participara na “Lisboa Mulata” de Tó Trips e Pedro Gonçalves, e que agora se estreavam todos juntos ao vivo. De acesso gratuito, como todos os primeiros concertos do Castelo em cada dia, o encontro histórico sofreu com o excesso de luminosidade (a História da música ao vivo raramente se escreve com raios de sol), com o excesso de conversa entre o público durante a actuação e porventura com a escassez de rasgo dos músicos em palco – excepção feita ao incansável baterista Alexandre Frazão.

Dead Combo & Marc Ribot © Sofia Costa / CMSines

Nessa noite de sábado, que também proporcionou o estupendo e mutuamente reverencial encontro entre a maliana Oumou Sangaré e o grande banjoísta Béla Fleck (somos só nós a rir com a semelhança fonética do nome do músico americano com Ben Affleck?), Ribot ainda tocaria com Los Cubanos Postizos. E a primeira etapa do festival só fecharia com a aceleração a mais de 180 batidas/minuto do shangaan, uma música de dança tradicional da África do Sul. O concerto de Shangaan Electro não foi mau, não senhor, mas preocupou-se demasiado em aprumar o sentido cénico da coisa, tendo beneficiado da hipervontade do público em gostar daquela música aparatosa.

Oumou Sangaré & Béla Fleck © Sofia Costa / CMSines

Mais uma vez, só conseguimos cumprir os dois últimos dias da segunda etapa do FMM Sines 2012 (24-28 de Julho), pelo que perdemos actuações de gente como o duo americano Jessika Kenney & Eyvind Kang, Fatoumata Diawara do Mali e os bósnios Dubioza Kolektiv. Diz que foram todos bons, todos bonitos. Depois de um jantar bem regado de bife mal passado, na última sexta-feira de Julho, vimos o tunisino Dhafer Youssef a dar-lhe bem no alaúde em formato de quarteto que foi à escola do jazz europeu e que, qual aluno marrão, ainda arrebanhou toda a tradição árabe, bocejámos com a liturgia escandinava de Mari Boine e deixámo-nos esmorecer um pedacito mais e até desapontar com o Zita Swoon Group.

Dhafer Youssef Quartet © Sofia Costa / CMSines

Caía a noite do último dia de Sines quando fomos atingidos pelo torpedo musico-proverbial de Hugh Masekela, figura maior do jazz sul-africano. Houve quem visse nos interlúdios entre as músicas a figura de um comício político. Nós vimos sobretudo um velho prendado e engajado com as grandes questões da actualidade (ainda assim, alguém terá saído de lá para o seu jacuzzi a rezar pelos menos afortunados?). Também sabíamos que Tony Allen era capaz de levantar uma sala inteira (vimo-lo em Tondela há um par de anos) mas como se sairia num espaço aberto como o Castelo de Sines?

Hugh Masekela © Sofia Costa / CMSines

Abramos novo parágrafo para aumentar o suspense: o baterista nigeriano saiu-se menos bem, mesmo estando acompanhado pelo incrível Amp Fiddler, a bela Audrey Gbaguidi na voz, um fascinante baixista e outros músicos de excepção. No backstage, trocámos com Fiddler, o histórico teclista de Detroit, umas palavras sobre o bom peixe que se come em Sines e sobre a vistosa crina capilar que o músico ostentava. Durante a conversa, explodiu o costumeiro fogo-de-artifício no último concerto do Castelo, que este ano foi dos congoleses Jupiter & Okwess International.

Tony Allen & Amp Fiddler © Sofia Costa / CMSines

Com Sines em estado de sítio, descemos até à praia pelo trilho a que as obras deram um charme de cenário de guerra e deixámo-nos encantar no Pontal pelo lirismo rockeiro do projecto pernambucano Lirinha. Foi bonito de ver com estes olhos que em três, quatro anos já viram o festival perder a etapa de Porto Covo e outros palcos emblemáticos. Ateus como somos, desconsideramos o apelo de Masekela às preces pelos pobrezinhos e só unimos as mãozinhas por uma Sines mais vibrante. Se possível, já em 2013, caros senhores das obras.
· 30 Jul 2012 · 12:28 ·
Helder Gomes
hefgomes@gmail.com

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