Sharon Jones & The Dap-Kings
Santiago Alquimista
11 Jul 2005
Espectáculo [substantivo masculino]: tudo o que atrai o nosso olhar e a nossa atenção; cena; contemplação; representação teatral; diversão; popular escândalo; dar espectáculo provocar escândalo.

in Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora

Esqueçam esta e todas as outras definições constantes nos dicionários. Estas palavras são insuficientes para classificar aquilo que aconteceu na noite de segunda-feira no Santiago Alquimista. Sharon Jones e os seus Dap-Kings deram um concerto magnífico, que ultrapassou todas as expectativas, e inventaram uma nova, mais verdadeira e mais completa definição da palavra “espectáculo”. E apenas os felizardos que presenciaram o concerto da madrinha do funk é que puderam partilhar este conhecimento.

O Santiago Alquimista abriu com os “portugueses” Mr. Lizard, que agarraram o público com a sua música instrumental alimentada a soul e funk clássico. A banda de T-One e Jesse Chandler deu boas indicações e a sua sonoridade, próxima de gente como The Crown Royals ou The Diplomats of Solid Sound, foi um bom aperitivo salgado.

Chegam os Dap-Kings. A banda entra com toda a força, o guitarrista Binky Griptite faz as apresentações circenses (uma delícia), e a banda mostra uma energia ao vivo que supera, em muito, a potência (já de si elevada) das gravações. Liderados pelo baixo Bosco Mann, os Dap-Kings evidenciam uma dinâmica fenomenal. Constroem um funk clássico, importado directamente aos inícios da década de 1970, funk em estado puro – ou como se poderia ler em alguns pins/crachás: 100% pure funk! O público, de pé, começa a dançar (já não haveria de parar, até ao fim da noite).

E eis que entra a “super soul sister with a magnetic je ne sais quois”, miss Sharon Jones! Senhora de uma presença brutal, Sharon Jones consegue num instante o arrebatamento completo. Com a sua voz, as suas canções, as suas danças e as suas encenações, é o delírio. As canções, que no disco são boas, ao vivo ganham poder e tornam-se fortíssimas. Mas o concerto vai muito para além da “simples” música. O ambiente frenético que rapidamente se instala, com o público todo a dançar, exponencia ainda mais as emoções da música. Num momento, voamos no tempo até 1972 e, enquanto se dança a acompanhar os ritmos libidinosos, ninguém se lembra que tem de acordar cedo no dia seguinte.

Sharon Jones é um bicho de palco sem igual, parece possuída e não pára quieta. Aquela mulher pequenina não consegue cantar sem exibir uma sensualidade poderosa, nunca pára de dançar e passa o tempo todo a assediar a assistência. Do alinhamento fazem parte os temas dos dois discos, quase todos saídos da pena do baixista Bosco “Bass” Mann, mas a excelente versão do clássico folk “This Land Is Your Land” é dos temas mais aplaudidos. O público continua rendido, mesmo quando Sharon dedica “Your Thing Is a Drag” aos homens portugueses.

Calor, suor, funk, soul. A paixão durou até ao momento em que a banda se foi embora. No final, ficou a consciência de termos assistido a um momento inolvidável. Apesar de ser muito cedo para estas coisas, não será arriscado dizer que foi um dos concertos do ano (senão mesmo “o” concerto do ano). Absolutamente “funktástico”.
· 11 Jul 2005 · 08:00 ·
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com

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