Festival MED
Loulé
29-30 Jun 2012
Os festivais também não se MEDem aos palmos?
Isto soube-me a pouco. Não dá para usar outras palavras e manter o compromisso da verdade. O Festival Med, que nos dias 29 e 30 de Junho, voltou a animar o centro histórico de Loulé, é um Portugal dos Pequenitos dos festivais de world music. Se nos permitem a ousadia, o Med é um Festival de Músicas do Mundo em versão ultra “low cost”.
Como o FMM Sines, o evento louletano consegue aliar a coerência de um cartaz diverso a uma organização cuidada que cultiva a proximidade com o público. Mas era indisfarçável que à 9ª edição já se estava a jogar para as distritais e que a primeira liga nem fazia parte das ambições do bicho. E escrever isto é incorrer no risco tremendo de olvidar que o cartaz levava a jogo alguns dos nomes mais representativos da pulsação global contemporânea (A Curva da Cintura, Boubacar Traoré, Cheikh Lô e SMOD) e do luso batimento (PAUS, Throes + The Shine e Norberto Lobo).
É verdade que as duas noites estiveram esgotadas, escoando as mais de 12 mil pessoas (contas da organização) entre os vários palcos e com paragens intencionais ou forçadas nas barracas de artesanato, nas montras improvisadas de álcool barato e ao lado de manifestações espontâneas de artes plásticas nas janelas e portas. Serpentear naquelas estreitas ruas, forradas com panos descaídos, foi por aqueles dias ocupar-se de um trânsito com vista para uma fauna maioritariamente formada por velhos locais e jovens mais ou menos perdidos na vida.
Da primeira noite ficou a memória de espreitar as baterias siamesas dos PAUS e a vontade de ficar por lá mais tempo a ronronar por mais faladura percussiva. Ficou na retina, ainda a milhas do apagão etílico, o esforço cumpridor de Cheikh Lô numa actuação algo desbotada. Após o concerto e já depois de falar com a rádio nacional que apoiava o Med, o músico senegalês pediu um paracetamol e não quis falar com o Bodyspace, alegando cansaço. (A sério que não há problema: são histórias assim que levamos desta vida.)
Nessa altura, já os Throes + The Shine haviam pegado fogo no pé de quem os via no palco Castelo. O projecto de rockuduro portuense via Angola progressiva, que insistiu durante o concerto não ter nascido para dar palestras, validou finalmente o esforço de fazer quase três centenas de quilómetros depois de um longo dia de trabalho. Já A Curva da Cintura, que em disco juntou Arnaldo Antunes, Toumani Diabaté e Edgard Scandurra, em palco voltou a juntá-los numa actuação morninha e sem pegada histórica no palco Cerca.
Mas as despesas da noite de sexta-feira ficariam por conta dos SMOD, grupo do Mali que junta o estrábico filho do duo cego Amadou & Mariam a dois MCs de flow incrível nas palavras e nos membros e a um parisiense sentado atrás de um laptop Apple. Com vestes de fazer inveja até ao menos maltrapilho defronte do palco Matriz, o trio ouro negro (desconta-se aqui o aprumadinho de Paris) veio apresentar o disco homónimo produzido por Manu Chao. Isto é hip-hop étnico mas só depois de esvaziarmos a nomenclatura de toda a espécie de condescendência. Os acompanhantes de luxo na dança ficaram sempre entre o desengonçado profissionalão e o articulado amador num show com direito a subida ao palco de meia dúzia de entusiasmados espectadores e discos autografados no final.
Da noite de sábado, segunda e derradeira do Med 2012, ficam a conversa com Norberto Lobo nas escadas da área de imprensa, a publicar em breve no Bodyspace, e o registo do histórico encontro das Jamaican Legends (Ernest Ranglin, Monty Alexander e Sly & Robbie) para assinalar o meio século da independência da Jamaica. Ainda: o Muddy Waters do Mali, Boubacar Traoré de seu nome, num fascinante-e-talvez-um-nadinha-demorado rendilhado da kora e a cariocada funk do brasileiro Sany Pitbull a fechar o palco Matriz.
Trazer desta descida a Loulé a tranquila invasão de um condomínio privado como a memória mais viva é indicador do efeito pouco impactante do festival neste que vos cansa a vista com caracteres. O Med é bem-intencionado e assim mas acaba por ser como aquele irmão de um tipo mais velho, experiente e respeitado: perde sempre na comparação.
Isto soube-me a pouco. Não dá para usar outras palavras e manter o compromisso da verdade. O Festival Med, que nos dias 29 e 30 de Junho, voltou a animar o centro histórico de Loulé, é um Portugal dos Pequenitos dos festivais de world music. Se nos permitem a ousadia, o Med é um Festival de Músicas do Mundo em versão ultra “low cost”.
A Curva da Cintura © C.M.Loulé – Mira |
Como o FMM Sines, o evento louletano consegue aliar a coerência de um cartaz diverso a uma organização cuidada que cultiva a proximidade com o público. Mas era indisfarçável que à 9ª edição já se estava a jogar para as distritais e que a primeira liga nem fazia parte das ambições do bicho. E escrever isto é incorrer no risco tremendo de olvidar que o cartaz levava a jogo alguns dos nomes mais representativos da pulsação global contemporânea (A Curva da Cintura, Boubacar Traoré, Cheikh Lô e SMOD) e do luso batimento (PAUS, Throes + The Shine e Norberto Lobo).
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Boubacar Traoré © C.M.Loulé – Mira |
É verdade que as duas noites estiveram esgotadas, escoando as mais de 12 mil pessoas (contas da organização) entre os vários palcos e com paragens intencionais ou forçadas nas barracas de artesanato, nas montras improvisadas de álcool barato e ao lado de manifestações espontâneas de artes plásticas nas janelas e portas. Serpentear naquelas estreitas ruas, forradas com panos descaídos, foi por aqueles dias ocupar-se de um trânsito com vista para uma fauna maioritariamente formada por velhos locais e jovens mais ou menos perdidos na vida.
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Cheikh Lô © C.M.Loulé – Mira |
Da primeira noite ficou a memória de espreitar as baterias siamesas dos PAUS e a vontade de ficar por lá mais tempo a ronronar por mais faladura percussiva. Ficou na retina, ainda a milhas do apagão etílico, o esforço cumpridor de Cheikh Lô numa actuação algo desbotada. Após o concerto e já depois de falar com a rádio nacional que apoiava o Med, o músico senegalês pediu um paracetamol e não quis falar com o Bodyspace, alegando cansaço. (A sério que não há problema: são histórias assim que levamos desta vida.)
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Jamaican Legends © C.M.Loulé – Mira |
Nessa altura, já os Throes + The Shine haviam pegado fogo no pé de quem os via no palco Castelo. O projecto de rockuduro portuense via Angola progressiva, que insistiu durante o concerto não ter nascido para dar palestras, validou finalmente o esforço de fazer quase três centenas de quilómetros depois de um longo dia de trabalho. Já A Curva da Cintura, que em disco juntou Arnaldo Antunes, Toumani Diabaté e Edgard Scandurra, em palco voltou a juntá-los numa actuação morninha e sem pegada histórica no palco Cerca.
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Norberto Lobo © C.M.Loulé – Mira |
Mas as despesas da noite de sexta-feira ficariam por conta dos SMOD, grupo do Mali que junta o estrábico filho do duo cego Amadou & Mariam a dois MCs de flow incrível nas palavras e nos membros e a um parisiense sentado atrás de um laptop Apple. Com vestes de fazer inveja até ao menos maltrapilho defronte do palco Matriz, o trio ouro negro (desconta-se aqui o aprumadinho de Paris) veio apresentar o disco homónimo produzido por Manu Chao. Isto é hip-hop étnico mas só depois de esvaziarmos a nomenclatura de toda a espécie de condescendência. Os acompanhantes de luxo na dança ficaram sempre entre o desengonçado profissionalão e o articulado amador num show com direito a subida ao palco de meia dúzia de entusiasmados espectadores e discos autografados no final.
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PAUS © C.M.Loulé – Mira |
Da noite de sábado, segunda e derradeira do Med 2012, ficam a conversa com Norberto Lobo nas escadas da área de imprensa, a publicar em breve no Bodyspace, e o registo do histórico encontro das Jamaican Legends (Ernest Ranglin, Monty Alexander e Sly & Robbie) para assinalar o meio século da independência da Jamaica. Ainda: o Muddy Waters do Mali, Boubacar Traoré de seu nome, num fascinante-e-talvez-um-nadinha-demorado rendilhado da kora e a cariocada funk do brasileiro Sany Pitbull a fechar o palco Matriz.
SMOD © C.M.Loulé – Mira |
Trazer desta descida a Loulé a tranquila invasão de um condomínio privado como a memória mais viva é indicador do efeito pouco impactante do festival neste que vos cansa a vista com caracteres. O Med é bem-intencionado e assim mas acaba por ser como aquele irmão de um tipo mais velho, experiente e respeitado: perde sempre na comparação.
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Throes + The Shine © C.M.Loulé – Mira |
· 03 Jul 2012 · 11:36 ·
Helder Gomeshefgomes@gmail.com