Estoril Jazz 2005 / Jazz Num Dia de Verão (2.ª Parte)
Parque Palmela, Cascais
08-10 Jul 2005
Depois de um primeiro fim-de-semana preenchido com as actuações de Von Freeman, Houston Person e Peter Cincotti, a 24.ª edição do Estoril Jazz prosseguiu com o trio de Lynne Arriale. A pianista actuou durante esta semana em quatro espaços diferentes: no Centro Cultural de Belém acompanhada de Marta Hugon (segunda-feira), no Centro Cultural de Cascais com o convidado João Moreira (terça-feira), no “Du Arte Garden” do Casino Estoril (quarta-feira) e ainda foi à cave mais famosa de Portugal, o Hot Club de Portugal (quinta-feira). No fim-de-semana o jazz voltou a reinar no Parque Palmela, confirmando a qualidade do festival.


Charlie Parker Legacy Band

No 50.º aniversário da morte de Charlie Parker, apresentou-se no palco do Estoril Jazz um sexteto que homenageia a música do herói mais genial de Kansas City. Composto por três sax alto (o instrumento de Parker) e uma secção rítmica veteraníssima, este grupo foi responsável, na noite de sexta-feira, pela enchente do recinto - o que até então apenas o poppy Peter Cincotti havia conseguido. Desde cedo se percebeu que a noite ia valer bem a pena. Enquanto se foi percorrendo o songbook parkeriano, viu-se também que, apesar da unidade do grupo, o sucesso do grupo estava dependente da eficácia dos três solistas. Jesse Davis, o saxofonista que por vezes fazia lembrar Charlie Parker com a sua fisionomia forte, exibiu um som sólido e aqueceu a noite. Wess Anderson, com o seu som mais áspero, terá sido o menos inspirado (talvez por ser o mais jovem dos três). Já o terceiro saxofone alto, Vincent Herring, destacou-se completamente e dominou. Com o seu som cheio, seguríssimo e original, evidenciou-se dos colegas por larga margem, especialmente quando se lembrava de levar o saxofone até aos limites. Para além de ser o apresentador de serviço, sempre bem humorado, fez o papel de John Coltrane na noite que devia ser de Parker (a fisionomia de Herring, para além da mestria técnica, lembra o grande mestre do comboio azul). De resto a secção rítimica esteve bem, apesar da veterania – Ronnie Matthews (piano) e Ray Drummond (contrabaixo) aguentaram o nível. Jimmy Cobb, o sobrevivente das sessões de gravação do celestial Kind of Blue (Miles Davis, 1959), foi a vedeta. E apesar da idade e do boné revelou boa forma. Com ou sem Charlie Parker, foi uma noite de grandes momentos.


Roy Haynes

O histórico baterista Roy Haynes apresentou no sábado o seu quarteto Fountain of Youth. Mais uma vez (pela terceira, neste festival) tratou-se de um quarteto de sax tenor, piano, contrabaixo e bateria. E, mais uma vez, uma velha glória apresentou-se acompanhada por músicos novos. Mas, ao contrário do que aconteceu nas vezes anteriores, os acompanhantes estiveram em bom plano, acompanhando o líder com distinção. E quem mostrou grande distinção foi Marcus Strickland, que realizou uma óptima prestação nos saxofones. Primeiro no tenor, não fugindo da tradição clássica mas com extrema desenvoltura, e depois no soprano (uma balada, In a Sentimental Mood, que deixou todos arrebatados). O contrabaixo, conduzido por John Sullivan, foi eficiente, marcando sempre o tempo com extrema precisão. O piano de Martin Bejerano mostrou técnica elevada, embora por vezes demorasse demasiado tempo até chegar ao destino, perdendo-se em algumas curvas e rendilhados dispensáveis. O líder, Roy Haynes, é um gigante. E exibiu-se em grande forma. Apesar de na capa do seu último disco querer transmitir a imagem de modernaço, Haynes sabe que o elixir da juventude não se encontra em roupa da moda, mais vale envelhecer com classe – e é exactamente isto que anda a fazer (e falando em classe, o momento de tentativa de engate à fotógrafa de serviço foi delicioso). Música cheia de classe, qualidade garantida, portanto. Apesar de não ter inflamado, o Parque Palmela teve uma noite de sábado quente.


Count Basie Orchestra

Quem visse a programação do cartaz do festival para a noite de encerramento do Estoril Jazz poderia ficar surpreendido. Era prometida a vinda de Count Basie, infelizmente falecido há muitos anos. Veio apenas a sua banda, Count Basie Orchestra, mas a gralha(?) gráfica poderá ter causado dúvidas em alguns. E desde logo a grande formação, de quase duas dezenas de músicos, demonstrou que é uma máquina bem oleada. Composta por músicos de boa qualidade técnica, a música soou sempre afinadíssima, realçando-se também o equilíbrio entre os músicos. Democraticamente, quase todos tiveram oportunidade de solar, não havendo lugar a grandes individualismos. O único destaque será o baterista Butch Miles, que com o seu estilo espectacular e espalhafatoso fez as delícias do público. A vocalista Melba Joyce expôs a sua voz forte, directamente inspirada na tradição, em alguns temas do alinhamento: Sweet Georgia Brown, All of Me, What Are You Doing the Rest of Your Life, entre outros clássicos. Entre interpretações vocais ou instrumentais, o público ficou radiante com o som luxuoso desta big band, que é uma máquina imparável de fazer swing. Trata-se, claro, de uma viagem ao passado, mas não tem mal nenhum quando não nos querem vender como “coisa moderna”. Só ficou a faltar mesmo Jumping at the Woodside, porventura a composição mais famosa do mestre Basie. E no entanto, ao contrário do que supúnhamos, não fomos completamente enganados pelo cartaz – pelo menos em espírito, Count Basie passou pelo Estoril Jazz. Count-Ba-sie!
· 08 Jul 2005 · 08:00 ·
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
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