Primavera Sound
Barcelona
01-03 Jun 2012
Teremos sempre Barcelona

Death Grips, Björk, EL-P, Melvins. Os nomes foram caindo como tordos antes e durante o sprint final que foram os últimos dias do Primavera Sound Barcelona. Mas em território catalão como na ocidental praia lusitana, só faz efectivamente falta quem lá está. E quem lá esteve à frente dos palcos pagou um bilhete de lotaria que só em certos casos tinha a chave da sorte grande.

À chegada ao recinto, via-se um palco reservado às glórias consagradas (ATP), um palco nos antípodas do recinto para glórias por consagrar ou em fase de entronização (Mini), dois palcos com a programação mais enxuta e eficaz do festival (Pitchfork e Vice), um palco para os retornados e para um par de nomes do mundo (Ray-Ban, que tinha uma extensão unplugged do tamanho de um hall de um T1 muito acanhado), um palco principal que passava perfeitamente por secundário (San Miguel) e um tour bus da Red Bull para os mais energizados.

Antes de tudo disso, os Black Lips tocaram no Arc de Triomf num concerto aberto à populaça, muito concorrido mas com som péssimo e um PA a rebentar. Os resistentes que voltaram a apostar neles na derradeira etapa do festival testemunharam na sala Apolo uma das noites mais violentas do rock de memória recente. Os mais audazes foram subindo ao palco, sendo atirados com inusitada violência de volta para o público por enchumaçados bisontes que fazem a insegurança da sala. A banda continuava a tocar em modo um tudo-nada impassível num rock ´n´ roll swindle que, descontando as escoriações e quiçá uma ou outra costela quebrada, merecia uma t-shirt para todos os presentes: “eu sobrevivi aos Black Lips em Barcelona”.


Black Lips © Dani Canto

No último dia de Maio, houve Baxter Dury, o filho do outro, numa actuação sem chama mas cheia do sol de final de tarde, uns Purity Ring igualmente morninhos, uma Grimes cumpridora, uns Mazzy Star perante um anfiteatro de pedra com canções que pedem mais superfícies acolchoadas e uns Mudhoney cheios de nervo algo anacrónico a disparar hits como “Touch Me, I´m Sick” ou “Hate the Police”, este último já ouvido à distância no conforto cagão da área de imprensa (com piscinas naturais e puffs anatomicamente preparados para receber os ossos dos guerreiros). Houve ainda um Danny Brown endiabrado, que chamou a atenção para o A$AP Rocky na audiência. O rapper do Harlem não se fez rogado aos photo-ops da praxe e viria a sacar duas miúdas para levar para o backstage, antes de subir ele próprio ao palco da Pitchfork e convidar Brown para uma colaboração onstage.


Mazzy Star © Dani Canto

Pelo meio, passámos os olhos por Bombino, o jovem tuaregue que se deixou embriagar pela riffalhada de Ali Farka Touré mas também Lee Hooker e Hendrix, e deixámos a promessa de o reencontrarmos em Sines este Verão. Já perto das três da manhã, os Japandroids provaram ser os grandes druidas do indie rock canadiano actual. (Aviso à navegação: ponham os olhos nestes putos) Entra o primeiro fim de tarde de Junho e logo se vislumbra uma longa fila a serpentear à porta do Auditori Rockdelux, mesmo à saída do recinto. Estava lá tudo para o mesmo: a missa ministrada por Jeff Mangum, figura de proa da folk americana que foi a Barcelona tocar as músicas dos Neutral Milk Hotel.

Neste ponto, há que rabiscar uma pequena nota sobre o comportamento do público espanhol, a que se juntaram neste caso uns quantos “ciudadanos de un lugar llamado mundo” – só para recuperar a frase publicitária do festival. Em espaço aberto, é gente ruidosa a que dá vontade de gritar “¿por qué no te callas?”, o concerto como mero pano de fundo para acomodar o falatório. Mas naquele belíssimo auditório, local propício para uma cena mais intimista e quentinha, pareciam todos atacados por uma súbita mudez. De tal forma que um elemento do público – vamos assumir que não foi o autor destas linhas para guardar o distanciamento a que o bom jornalismo obriga – resolveu gritar: “Jeff, we love you!” para ouvir em resposta: “thanks, my friend, I love you too”. Depois deste desbloqueamento da linguagem dos afectos, as canções do seminal “In the Aeroplane Over the Sea” até soaram melhor.

De volta ao recinto, vimos um Rufus Wainwright que parecia estar a fazer o frete de tocar para aquela gente, dançámos com Afrocubism, sorrimos ironicamente quando nos ofereceram droga durante a actuação de The War On Drugs, ignorámos olimpicamente as três horas do rock de estádio dos Cure e voltámos a apaixonar-nos pela miúda dos Sleigh Bells, que deram um show de estalo e ruído. Mas ainda faltava voltar à nossa capelinha favorita, o palco Pitchfork, para, num crescendo de intensidade, ver SBTRKT e depois o fortíssimo AraabMuzik, que tem um incrível jogo de dedos. (Chegámos a temer o pior quando um dos dois placards gigantes que mostravam imagens em tempo real daquele fingerpicking das drum machines caiu desamparado, mas não houve danos físicos nem materiais.) No outro extremo do recinto, tocaram os M83 sem grande convicção e The Rapture com rasgadíssima convicção.


Rufus Wainwright © Eric Pamies


Afrocubism © Damia Bosch


Sleigh Bells © Damia Bosch


M83 © Santiago Periel


The Rapture © Eric Pamies

Aproximavam-se os dias do fim e caíam os blues do regresso como morrinha de início de Outono. No terceiro e último dia à séria do festival, Bradford Cox dos Deerhunter voltava a Barcelona com o seu projecto a solo Atlas Sound, interrompia uma canção para exclamar “Look! A ship!” com os olhos postos no Mediterrâneo e botava sermão contra o uso de MD. Os Beach House levavam-nos pela mão através do desfiladeiro suave das canções do novo “Bloom” e dos anteriores num cenário que se parecia perigosamente com o Passeio Marítimo de Algés.


Beach House © Damia Bosch

Ainda passaram pelo Primavera uns Chromatics algo descolorados, The Weeknd, um cronista soul que já nasceu em pico de forma e que nos centrifuga sempre para nubladas madrugadas de álcool, drogas e muito sexo, o projecto de punk local Mujeres e as rimas metralhadas de Cadence Weapon. O foguetório final ficou, como é hábito, a cargo de DJ Coco, que passou música no ATP até ao raiar da manhã perante uma audiência digna de uma final europeia. Feitas as contas deste rosário catalão, só apetece dizer: a festa foi bonita, pá!


Chromatics © Dani Canto


The Weeknd © Dani Canto
· 05 Jun 2012 · 16:45 ·
Helder Gomes
hefgomes@gmail.com

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