Roadburn 2012
Tilburg, Holanda
12-15 Abr 2012
Quando Garm, o vocalista de Ulver, abre a boca para começar a cantarolar repetidamente a palavra “Love”, bem que devia estar a cantar “Yob”. Sonoridades semelhantes se ouvidas ao volume certo, significados parecidos para alguns e bastante mais adequado tendo em conta que se está a falar do palco principal daquele que é, potencialmente, o mais importante festival do mundo de stoner e géneros afins, de nome Roadburn.
São três dias principais e mais um para quem estiver disposto a isso, com uma organização excepcional e a maior qualidade sonora em salas de concertos a que este vosso escriba alguma vez assistiu. O cartaz é bastante variado, centrando-se naquela figura incontornável do universo festivaleiro actual: o curador. Este ano regressaram os canadianos Voivod, depois do duo Sunn O))) em 2010 e deixando já o anúncio de Electric Wizard para 2013.
Depois de uma passagem por Portugal há alguns meses, durante a qual o baixista de Yob, Aaron Reiseberg, garantiu que iam estar no Roadburn em peso (já com o baterista da banda, Travis Foster, que não esteve na digressão que passou por Lisboa e Porto e muita falta fez), a promessa foi cumprida inteiramente e mais além. No cartaz do Roadburn deste ano figuravam por duas vezes, a primeira a tocar o álbum The Unreal Never Lived e a segunda, já no domingo, a alinhavar o monumental Catharsis, de 2003, uma bomba no panorama do doom metal e do psicadelismo. O primeiro concerto foi um mero lampejo do que viria a ser o segundo, uma verdadeira ode àquilo que é o Roadburn e à ligação que os Yob estabeleceram com o evento. O vocalista Mike Scheidt aborta a primeira tentativa de “Aeons” e explica que já não tocam o álbum inteiro desde 2003 ou 2004. Não se notou. Ainda que “Aeons” seja o momento mais impressionante do registo em estúdio, foi a faixa que dá título ao álbum que realmente brilhou em palco. Os 24 minutos que dura em álbum foram mantidos, mais ou menos, e tornaram-se, para usar o termo corrente para muita coisa metaleira, transcendentes. O palco desfeito, diluído naquilo que é o público, gera-se um momento de quase ir às lágrimas sem deixar margem para dúvidas, a banda norte-americana chamada Yob é o nome mais importante do género. Muitos não vão à bola com a voz de Scheidt, mas insistam um pouco. Vale a pena.
Outro dos pontos interessantes do Roadburn são as interacções que possibilita enquanto participantes num festival. Há quem recorra àquela conversa banal da “família, etc”, mas há uma sensação de pertença àquele lugar, que é uma rua de uma cidade chamada Tilburg, algures na Holanda, onde todos parecem amigos, onde todos parecem vir por bem. Daí verem-se caras como o vocalista de Saint Vitus (uma instituição do género) por entre o público ou Al Cisneros (Sleep, Om) a arrastar-se pela cidade com o seu ar macambúzio.
Este interlúdio para justificar como no concerto final da noite de sexta-feira, dos lendários britânicos do crust/punk Doom, o vocalista desses mesmos Yob andava a (tentar) fazer stage-diving, ignorando a lei da gravidade, ou como dos bastidores aparecia gente a saltar para o público durante Black Breath. Que não haja ilusões, as movimentações físicas não abundam, não nos esqueçamos que estamos num festival de rock psicadélico, por isso qualquer agitação entre o público é digna de registo.
A última explicação sobre o que é o Roadburn é talvez a mais importante. No livrete sobre o festival havia uma recomendação da editora da revista Terrorizer, que devo ecoar caso alguém pretenda deslocar-se a Tilburg no futuro. Não se resignem a um mapa daquilo que querem ver, vagueem pelas salas, aventurem-se pelo desconhecido, porque é certo e sabido que vão encontrar algo fenomenal do qual nunca tinham ouvido falar.
Assim, saído de uns emocionantes, mas vagarosos 40 Watt Sun, a caminho de Celestial Season, pára-se por Dark Buddha Rising só porque estavam a tocar ali ao lado. E pára-se mais tempo e mais tempo. Um riff repetido e negro, sem ser rasgado, faz-se sentir, com alguém que está posicionado para ser vocalista, pintado a la black metal, a derramar um líquido vermelho sobre a cabeça. A música era escura, mas hipnotizante e atractiva.
Do lado oposto do espectro encontraram-se uns tipos chamados GNOD, de riffs muito lentos e repetitivos ideais para uma altura em que a noite pesava e os Doom ainda estavam pela frente. O hipnotismo era de outro género e era como se tudo derretesse em redor, incluindo nós próprios. Nunca uma sala com carpetes soube tão bem.
É impossível falar de tudo. É injusto e inglório não dizer condignamente quão bons foram Agalloch num palco com qualidade para que pudessem expor o excelente black metal atmosférico que praticam, ou como os Red Fang, que regressam a Portugal para o Milhões de Festa, causaram o primeiro mosh a que assistimos no Roadburn (e os Black Breath o segundo e os Doom o terceiro), ou como os Ulver lançaram o caos na cabeça do público quando deram um concerto inteiro apenas e só de versões de músicas do ano de 1967 (“Street Song” dos 13th Floor Elevators foi um ponto alto de uma lista perturbadoramente pejada de malhas e de falhas), ou como os Nachtmystium são das coisas mais interessantes do black metal norte-americano, ou como o J.G. Thirlwell deixou de ser Foetus para se tornar no mentor do ensemble Manorexia que parecia Philip Glass, ou como o J Mascis usa luvas desportivas brancas para tocar bateria e os seus Witch tinham um autêntico batalhão de músicos a assistir ao concerto dos bastidores.
É impossível falar de tudo, mas tenta-se. É infeliz e insatisfatório deixar de fora os orelhudíssimos Necros Christos ou os nova-iorquinos Tombs, que me fizeram abandonar Sleep e o tronco nu do Matt Pike - que continuo sem compreender como não meteu os High on Fire no cartaz - , ou os calmantes Mount Fuji Doom Jazz Corporation (que mostraram o melhor filme de sempre para uma tarde de psicotrópicos).
A própria sonoridade da palavra Roadburn já tem uma ternura que só os momentos marcantes carregam. Que assim permaneça por muito tempo.
© Tiago Dias |
São três dias principais e mais um para quem estiver disposto a isso, com uma organização excepcional e a maior qualidade sonora em salas de concertos a que este vosso escriba alguma vez assistiu. O cartaz é bastante variado, centrando-se naquela figura incontornável do universo festivaleiro actual: o curador. Este ano regressaram os canadianos Voivod, depois do duo Sunn O))) em 2010 e deixando já o anúncio de Electric Wizard para 2013.
Yob © Tiago Dias |
Depois de uma passagem por Portugal há alguns meses, durante a qual o baixista de Yob, Aaron Reiseberg, garantiu que iam estar no Roadburn em peso (já com o baterista da banda, Travis Foster, que não esteve na digressão que passou por Lisboa e Porto e muita falta fez), a promessa foi cumprida inteiramente e mais além. No cartaz do Roadburn deste ano figuravam por duas vezes, a primeira a tocar o álbum The Unreal Never Lived e a segunda, já no domingo, a alinhavar o monumental Catharsis, de 2003, uma bomba no panorama do doom metal e do psicadelismo. O primeiro concerto foi um mero lampejo do que viria a ser o segundo, uma verdadeira ode àquilo que é o Roadburn e à ligação que os Yob estabeleceram com o evento. O vocalista Mike Scheidt aborta a primeira tentativa de “Aeons” e explica que já não tocam o álbum inteiro desde 2003 ou 2004. Não se notou. Ainda que “Aeons” seja o momento mais impressionante do registo em estúdio, foi a faixa que dá título ao álbum que realmente brilhou em palco. Os 24 minutos que dura em álbum foram mantidos, mais ou menos, e tornaram-se, para usar o termo corrente para muita coisa metaleira, transcendentes. O palco desfeito, diluído naquilo que é o público, gera-se um momento de quase ir às lágrimas sem deixar margem para dúvidas, a banda norte-americana chamada Yob é o nome mais importante do género. Muitos não vão à bola com a voz de Scheidt, mas insistam um pouco. Vale a pena.
Outro dos pontos interessantes do Roadburn são as interacções que possibilita enquanto participantes num festival. Há quem recorra àquela conversa banal da “família, etc”, mas há uma sensação de pertença àquele lugar, que é uma rua de uma cidade chamada Tilburg, algures na Holanda, onde todos parecem amigos, onde todos parecem vir por bem. Daí verem-se caras como o vocalista de Saint Vitus (uma instituição do género) por entre o público ou Al Cisneros (Sleep, Om) a arrastar-se pela cidade com o seu ar macambúzio.
Este interlúdio para justificar como no concerto final da noite de sexta-feira, dos lendários britânicos do crust/punk Doom, o vocalista desses mesmos Yob andava a (tentar) fazer stage-diving, ignorando a lei da gravidade, ou como dos bastidores aparecia gente a saltar para o público durante Black Breath. Que não haja ilusões, as movimentações físicas não abundam, não nos esqueçamos que estamos num festival de rock psicadélico, por isso qualquer agitação entre o público é digna de registo.
A última explicação sobre o que é o Roadburn é talvez a mais importante. No livrete sobre o festival havia uma recomendação da editora da revista Terrorizer, que devo ecoar caso alguém pretenda deslocar-se a Tilburg no futuro. Não se resignem a um mapa daquilo que querem ver, vagueem pelas salas, aventurem-se pelo desconhecido, porque é certo e sabido que vão encontrar algo fenomenal do qual nunca tinham ouvido falar.
Hammers of Misfortune © Tiago Dias |
Assim, saído de uns emocionantes, mas vagarosos 40 Watt Sun, a caminho de Celestial Season, pára-se por Dark Buddha Rising só porque estavam a tocar ali ao lado. E pára-se mais tempo e mais tempo. Um riff repetido e negro, sem ser rasgado, faz-se sentir, com alguém que está posicionado para ser vocalista, pintado a la black metal, a derramar um líquido vermelho sobre a cabeça. A música era escura, mas hipnotizante e atractiva.
Do lado oposto do espectro encontraram-se uns tipos chamados GNOD, de riffs muito lentos e repetitivos ideais para uma altura em que a noite pesava e os Doom ainda estavam pela frente. O hipnotismo era de outro género e era como se tudo derretesse em redor, incluindo nós próprios. Nunca uma sala com carpetes soube tão bem.
Nachtmystium © Tiago Dias |
É impossível falar de tudo. É injusto e inglório não dizer condignamente quão bons foram Agalloch num palco com qualidade para que pudessem expor o excelente black metal atmosférico que praticam, ou como os Red Fang, que regressam a Portugal para o Milhões de Festa, causaram o primeiro mosh a que assistimos no Roadburn (e os Black Breath o segundo e os Doom o terceiro), ou como os Ulver lançaram o caos na cabeça do público quando deram um concerto inteiro apenas e só de versões de músicas do ano de 1967 (“Street Song” dos 13th Floor Elevators foi um ponto alto de uma lista perturbadoramente pejada de malhas e de falhas), ou como os Nachtmystium são das coisas mais interessantes do black metal norte-americano, ou como o J.G. Thirlwell deixou de ser Foetus para se tornar no mentor do ensemble Manorexia que parecia Philip Glass, ou como o J Mascis usa luvas desportivas brancas para tocar bateria e os seus Witch tinham um autêntico batalhão de músicos a assistir ao concerto dos bastidores.
Witch © Tiago Dias |
É impossível falar de tudo, mas tenta-se. É infeliz e insatisfatório deixar de fora os orelhudíssimos Necros Christos ou os nova-iorquinos Tombs, que me fizeram abandonar Sleep e o tronco nu do Matt Pike - que continuo sem compreender como não meteu os High on Fire no cartaz - , ou os calmantes Mount Fuji Doom Jazz Corporation (que mostraram o melhor filme de sempre para uma tarde de psicotrópicos).
A própria sonoridade da palavra Roadburn já tem uma ternura que só os momentos marcantes carregam. Que assim permaneça por muito tempo.
· 18 Abr 2012 · 01:55 ·
Tiago Diastdiasferreira@gmail.com
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