Helmet
TMN Ao Vivo, Lisboa
5 Mar 2012
Quando vais assistir a um concerto que inaugura a tour comemorativa do 20º aniversário dum disco, percebes um par de coisas:
a) que o tempo passou depressa;
b) que se um álbum como Meantime continua a soar actual, é porque estava à frente do seu tempo quando foi editado.
Mas estes dois pontos também geram interrogações. Passados vinte anos, que sentido faz ouvir ao vivo o álbum lançado por uma banda de que sobra apenas um dos fundadores? E se, em 1992, Meantime foi uma pedrada crossover na ressaca do boom grunge/alternativo – Nevermind, Badmotorfinger e Ten são todos de ´91 –, qual é a relevância actual dos Helmet?
Antes de poder confirmar aquelas certezas e tirar eventuais dúvidas, subiram ao palco da sala ribeirinha os irlandeses Fighting With Wire. Durante meia hora conjugaram melodia com peso, especialmente nas partes instrumentais, com a percussão a desbravar terreno para riffs por vezes dissonantes. Terão caído no caldeirão de referências pós-hardcore, mas mostraram por que nem todos podem ser uns At The Drive-In ou uns Fugazi.

Helmet © Mauro Mota

Já o estilo pára-arranca de Helmet, intercalado por riffs tremendos (aliando a precisão dum bisturi a toneladas de peso), é inconfundível. Por vezes a bateria descarrega como se estivéssemos num concerto de hardcore, mas ainda assim durante as primeiras malhas de Meantime (da abertura com “Role Model” a “Turned Out”, passando por “FBLA II” ou “Better”) o ambiente não passa de morno. De tal forma que o frontman Page Hamilton (secundado por músicos que, se não têm idade para serem seus filhos, assumem a condição de aprendizes/assalariados) aproveita a primeira pausa provocada por problemas técnicos para dizer que o público estava a ser «muito educado» e perguntar se havia na sala pessoas nascidas em 1992, uma vez que iriam tocar o álbum lançado nesse ano de trás para a frente.

Helmet © Mauro Mota

Tinha que chegar a dobradinha constituída por “Unsung” e “Give It” (acendalhas sem prazo de validade) para aquecer a sala como deve de ser e espalhar lume pelos corpos. Se a primeira é daquelas malhas irresistíveis – que não deixam ninguém de mãos nos bolsos, pés quietos ou cabeça no lugar –, a outra tem um solo de guitarra arrastado e um baixo de fazer tremer as paredes, ainda mais abaladas pela carga da bateria… e um sprint final que dá o golpe de misericórdia no edifício em ruínas. Só é pena que o embalo trazido pela melhor sequência da noite até ao momento seja interrompido por mais problemas técnicos. E enquanto Hamilton faz ajustes no amplificador, os colegas bebem Super Bock e improvisam uma jam de inspiração jazzística, porventura em honra à formação musical do seu mentor. Talvez para compensar o hiato, regressam com garra redobrada para fechar o tempo consagrado a Meantime, primeiro com “Ironhead” e depois com “In The Meantime”, que é um portento de riffs e ritmo, tudo pontuado pela vocalização quase hardcore de Page Hamilton, entre a agressividade de uns Sick Of It All e o discurso directo de Henry Rollins. Continuando em discurso directo, Hamilton diz que está a beber Super Bock mas que prefere Sagres. Perante os aplausos, comenta que normalmente toma opções correctas, sendo por isso que se mantém solteiro. O seu sentido de humor apurado seria, de resto, uma constante, com referências ao Cristo-Rei, aos U2 (conterrâneos da banda de abertura), a Angelina Jolie ou ao facto de rotularem o ex-marido de Katy Perry de sexaholic. Afinal, já os Mão Morta cantavam que “B(r)osh é bom!”.

Helmet © Mauro Mota

Antes do encore, mostram não ter perdido o peso em “Welcome To Algiers” (de Seeing Eye Dog, lançado em 2010) e fazem uma incursão pela excelente “Wilma´s Rainbow”, de Betty, o trabalho mais complexo da sua discografia. Nos melhores momentos, os Helmet vão buscar a pujança do hardcore e o balanço do hip hop, tudo tecido por riffs do metal mais intenso. Não há pachorra para o pára-arranca do trânsito (ou de pausas que cortam a dinâmica dos concertos), mas este stop-go-stop-go, feito de avanços e recuos rítmicos não deixa ninguém aborrecido. E se mesmo durante os extras (destaques para “Driving Nowhere” e a poderosa “Birth Defect”, ambas resgatadas a Aftertaste) pode ter faltado algum molho – entenda-se, slam dance –, houve headbanging de sobra para quem enfiou o capacete passados tantos anos de espera.


Fighting With Wire © Mauro Mota
· 06 Mar 2012 · 22:48 ·
Hugo Rocha Pereira
hrochapereira@bodyspace.net
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