DIA 1 |
Reportagem de Miguel Arsénio
Fotografias de Advance Music, S.L.
www.sonar.es
Sònar by Day
Artificial · M. Takara · Djosos Krost · Efterklang · Khonnor
A burla aguça o engenho. A confirmá-lo, a dĂ©cima segunda edição do Festival Sònar – desta vez tematicamente centrado nos grandes trapaceiros da idade moderna – concentrou em Barcelona um mais que abrangente contingente de dignos representantes das novas sonoridades e electrĂłnica actual. O DJ Ă©, afinal, um falsificador de arte alheia e o digital ludibria os ouvidos habituados Ă rotina orgânica. Os abonados de hype enganam meio mundo a partir das capas das publicações britânicas que encetam o contágio, mas encontram no Sònar a expectante restante metade por convencer. Durante trĂŞs dias, o Bodyspace escutou atentamente os diversos contos do vigário. Descobriu carecas entre alguns dos pretensos gĂ©nios e rendeu-se de corpo e alma a tantos outros dignos desse epĂteto. Em Barcelona, a vitimização passa a ser imprescindĂvel.
Vegetais para elite e propostas amenas sob sol escaldante
Ao que parece, o Escenario Hall (um dos seis palcos activos durante o perĂodo diurno) suporta um nĂşmero limitado de apreciadores de culinária. No primeiro dia de festival a estranheza do conceito “mĂşsica e gastronomia” e o chamariz Herbert (apostado em dar a provar o seu recente Plat du Jour) atraiu demasiados curiosos ao espaço subterrâneo. O Bodyspace ficou Ă porta, mas veio a saber – por avaliação de reacções posteriores – que o banquete pouco convencional dividiu o pĂşblico (como um quivi trespassado pelo gume da faca). AlguĂ©m exclamava Ă saĂda: "Sou de AmsterdĂŁo e nunca vi tal coisa!".
Por sua vez, as performances Ă porta aberta mantiveram o mercĂşrio a meia escala, ao oscilarem entre o dispensável e os promissores benefĂcios da reciclagem.
Sònar by Day
ARTIFICIAL
Exacto. A designação adoptada por Kamal Kassin e Bernard Ceppas Ă© representativa do que o duo (neste caso, representado apenas por Kamal) tem para oferecer: electrĂłnica elaborada a partir de um Gameboy e filtrada por um par de manipuladores. Os sons extraĂdos a vidas bĂłnus e a mais um zombie pulverizado compõem-se num big beat a oito pixels. Todo este artificialismo lĂşdico seria suportável (e atĂ© mesmo apreciável), nĂŁo fosse Kamal lembrar-se de acrescentar ao lego o seu crooning funk irritante, que assenta nos cristais lĂquidos como um enorme borrĂŁo. O pĂşblico responde com aplausos irĂłnicos. Sobra a vontade de voltar a assentar o polegar direito nos butões A e B e redescobrir os universos Zelda e Castlevania.
M. TAKARA
Bastaram alguns minutos a M. Takara para salvar a editora brasileira Eletronika (a fazer-se representar no SónarDĂ´me) da má imagem deixada por Artificial. Takara reverte o jazz ao minimalismo e, a espaços, torna ainda mais “dengoso” o dub. Tudo isto flui como bolhas de Guaraná perdidas no sobe e desce de uma lâmpada de lava (sĂmbolo máximo da decoração rĂ©tro). O pĂşblico passa a ser confidente dos lamentos de um R2-D2 tropical.
DJOSOS KROST
Na cidade global que Ă© o Sònar, a Dinamarca fica a cem passos do Brasil. Pela forma como compensam um final de tarde com um dub descontraĂdo, a irmandade dos olhos semicerrados – composta pelos nucleares Djosos Krost e mĂşsicos convidados para a ocasiĂŁo - revela-se ideal Ă vontade de um pĂşblico estendido sobre o relvado artificial da SónarVillage. Em palco, o mestre de cerimĂłnias rastafári - em modo historiador - faz pular sedentários do tapete enquanto a oleada secção rĂtmica torna verificáveis as primeiras manifestações assinaláveis de actividade cervical. Bem perto do fim, os Djosos Krost pedem ao sol que se esconda alĂ©m das montanhas com um exercĂcio em nome prĂłprio que mais parece ser uma variante bronzeada de “Clint Eastwood” dos Gorillaz.
EFTERKLANG
Visivelmente deslocados face Ă temperatura e ânimos verificados, os Efterklang fazem os possĂveis para que a sua prestação nĂŁo tropece no abismo glaciar que Tripper contempla em caminhada circular. Um equilĂbrio de si frágil – sempre tĂŁo debruçado sobre o detalhe - torna-se ainda mais susceptĂvel quando os Efterklang actuam num espaço aberto. Perdem-se no ar as subtilezas orquestrais conduzidas em regime democrático (a banda de Copenhaga desconhece liderança e egos), Ă medida que se torna imperceptĂvel a puerilidade do xilofone entre os restantes seis instrumentos. Acredito que os Efterklang seriam capazes de fazer maravilhas numa Aula Magna. Por enquanto, salienta-se o esforço de quem, mesmo assim, consegue arrancar umas lágrimas Ă s pedras das Ramblas.
KHONNOR
A julgar pela frase estampada nas T-shirts, eles nĂŁo sĂŁo os Khonnor. Foram provavelmente a mais cativante das propostas oferecidas ao longo do dia inicial do Sònar. O prodĂgio Connor Kirby-Long (o rosto por detrás do nome estilizado e da máscara de cachorrinho envergada em palco) Ă© um arraçado de Daft Punk, pela forma genuinamente acadĂ©mica e genialmente ingĂ©nua com que faz coabitar dois gĂ©neros num forno caseiro. Neste caso, a folk americana e a new wave. Khonnor apresentou-se em Barcelona acompanhado de um segundo elemento igualmente anĂłnimo. Juntos, ensaiam shoegazing camuflado por sintetizadores alienĂgenas, temas afrodisĂacos/lounge para robĂ´s Ă procura de quem lhes acaricie os chips, a barba de Devendra presa numa trituradora elĂ©ctrica. Khonnor Ă© deliciosamente imprevisĂvel e nĂŁo deve tardar atĂ© que o seu nome roube algum tempo de antena ao de Moby.
migarsenio@yahoo.com
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