Festival Sònar
Barcelona
16-18 Jun 2005

Reportagem de Miguel Arsénio
Fotografias de Advance Music, S.L.

www.sonar.es

Sònar by Day
Artificial · M. Takara · Djosos Krost · Efterklang · Khonnor

A burla aguça o engenho. A confirmá-lo, a décima segunda edição do Festival Sònar – desta vez tematicamente centrado nos grandes trapaceiros da idade moderna – concentrou em Barcelona um mais que abrangente contingente de dignos representantes das novas sonoridades e electrónica actual. O DJ é, afinal, um falsificador de arte alheia e o digital ludibria os ouvidos habituados à rotina orgânica. Os abonados de hype enganam meio mundo a partir das capas das publicações britânicas que encetam o contágio, mas encontram no Sònar a expectante restante metade por convencer. Durante três dias, o Bodyspace escutou atentamente os diversos contos do vigário. Descobriu carecas entre alguns dos pretensos génios e rendeu-se de corpo e alma a tantos outros dignos desse epíteto. Em Barcelona, a vitimização passa a ser imprescindível.

Vegetais para elite e propostas amenas sob sol escaldante

Ao que parece, o Escenario Hall (um dos seis palcos activos durante o período diurno) suporta um número limitado de apreciadores de culinária. No primeiro dia de festival a estranheza do conceito “música e gastronomia” e o chamariz Herbert (apostado em dar a provar o seu recente Plat du Jour) atraiu demasiados curiosos ao espaço subterrâneo. O Bodyspace ficou à porta, mas veio a saber – por avaliação de reacções posteriores – que o banquete pouco convencional dividiu o público (como um quivi trespassado pelo gume da faca). Alguém exclamava à saída: "Sou de Amsterdão e nunca vi tal coisa!". Por sua vez, as performances à porta aberta mantiveram o mercúrio a meia escala, ao oscilarem entre o dispensável e os promissores benefícios da reciclagem.

Sònar by Day

ARTIFICIAL
Exacto. A designação adoptada por Kamal Kassin e Bernard Ceppas é representativa do que o duo (neste caso, representado apenas por Kamal) tem para oferecer: electrónica elaborada a partir de um Gameboy e filtrada por um par de manipuladores. Os sons extraídos a vidas bónus e a mais um zombie pulverizado compõem-se num big beat a oito pixels. Todo este artificialismo lúdico seria suportável (e até mesmo apreciável), não fosse Kamal lembrar-se de acrescentar ao lego o seu crooning funk irritante, que assenta nos cristais líquidos como um enorme borrão. O público responde com aplausos irónicos. Sobra a vontade de voltar a assentar o polegar direito nos butões A e B e redescobrir os universos Zelda e Castlevania.

M. TAKARA
Bastaram alguns minutos a M. Takara para salvar a editora brasileira Eletronika (a fazer-se representar no SónarDôme) da má imagem deixada por Artificial. Takara reverte o jazz ao minimalismo e, a espaços, torna ainda mais “dengoso” o dub. Tudo isto flui como bolhas de Guaraná perdidas no sobe e desce de uma lâmpada de lava (símbolo máximo da decoração rétro). O público passa a ser confidente dos lamentos de um R2-D2 tropical.

DJOSOS KROST
Na cidade global que é o Sònar, a Dinamarca fica a cem passos do Brasil. Pela forma como compensam um final de tarde com um dub descontraído, a irmandade dos olhos semicerrados – composta pelos nucleares Djosos Krost e músicos convidados para a ocasião - revela-se ideal à vontade de um público estendido sobre o relvado artificial da SónarVillage. Em palco, o mestre de cerimónias rastafári - em modo historiador - faz pular sedentários do tapete enquanto a oleada secção rítmica torna verificáveis as primeiras manifestações assinaláveis de actividade cervical. Bem perto do fim, os Djosos Krost pedem ao sol que se esconda além das montanhas com um exercício em nome próprio que mais parece ser uma variante bronzeada de “Clint Eastwood” dos Gorillaz.

EFTERKLANG
Visivelmente deslocados face à temperatura e ânimos verificados, os Efterklang fazem os possíveis para que a sua prestação não tropece no abismo glaciar que Tripper contempla em caminhada circular. Um equilíbrio de si frágil – sempre tão debruçado sobre o detalhe - torna-se ainda mais susceptível quando os Efterklang actuam num espaço aberto. Perdem-se no ar as subtilezas orquestrais conduzidas em regime democrático (a banda de Copenhaga desconhece liderança e egos), à medida que se torna imperceptível a puerilidade do xilofone entre os restantes seis instrumentos. Acredito que os Efterklang seriam capazes de fazer maravilhas numa Aula Magna. Por enquanto, salienta-se o esforço de quem, mesmo assim, consegue arrancar umas lágrimas às pedras das Ramblas.

KHONNOR
A julgar pela frase estampada nas T-shirts, eles não são os Khonnor. Foram provavelmente a mais cativante das propostas oferecidas ao longo do dia inicial do Sònar. O prodígio Connor Kirby-Long (o rosto por detrás do nome estilizado e da máscara de cachorrinho envergada em palco) é um arraçado de Daft Punk, pela forma genuinamente académica e genialmente ingénua com que faz coabitar dois géneros num forno caseiro. Neste caso, a folk americana e a new wave. Khonnor apresentou-se em Barcelona acompanhado de um segundo elemento igualmente anónimo. Juntos, ensaiam shoegazing camuflado por sintetizadores alienígenas, temas afrodisíacos/lounge para robôs à procura de quem lhes acaricie os chips, a barba de Devendra presa numa trituradora eléctrica. Khonnor é deliciosamente imprevisível e não deve tardar até que o seu nome roube algum tempo de antena ao de Moby.

· 16 Jun 2005 · 08:00 ·
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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