Milhões de Festa
Barcelos
22-44 Jul 2011
Aquilo que define o Milhões de Festa não é o cartaz, por mais interessante que seja, ou a cidade, por mais bonita que possa ser, ou o facto de ter uma piscina, por mais bikinis que a povoem. Não: aquilo que define o Milhões de Festa é o dia zero, a véspera, o campismo a compor-se progressivamente mesmo antes da hora estipulada virtude de um simpático porteiro de idade, o encontro com semelhantes do e fora do mundo das redes sociais, a procura por um restaurante específico durante meia hora de caminhada e só se dar com ele porque a empregada teve pena de nós, o álcool que se bebe com bandas que lá vão tocar e com aqueles que vão escrever sobre as bandas que lá vão tocar e as conversas alimentadas a esteróides de lulz com malta que nos reconhece e elogia na rua porque, um dia, dissemos que os fãs de 30 Seconds To Mars eram merda. Ou seja: o que define o Milhões de Festa é o ambiente distinto, e quando o dizemos estamos a falar a sério. Isto não acontece em nenhum outro mais. E é por isso que o campismo ficou a abarrotar logo nesta noite. Já se tinha assumido o ateísmo nestas mesmas linhas, na última notícia sobre o festival; depois de se ter comido uma francesinha incrível, de se ter visto um golo inacreditável do João Moutinho e de se ter observado o pacifismo absoluto do chefe que tudo controla, qual Cristo, há que repensar esta posição. E ainda sem um único acorde tocado. PC

© Angela Costa

1º dia

E eis que chegamos então ao primeiro dia: alguns escondem a ressaca da noite anterior com novas doses de álcool, outros procuram obtê-la para o dia seguinte; os que chegam atrasados suspiram por um lugar à sombra onde colocar a tenda (e muitos falharam esse objectivo); o sol convida aos primeiros mergulhos na famigerada piscina e é vê-los (e las) a desfilar de toalha ao pescoço e chinelo no pé pela rua do campismo abaixo até à mesma. Vão-se reencontrando pessoas e conhecendo outras, vai-se almoçando aqui e ali seja via Pingo Doce ou Bar do Xano, vai-se esperando pelos primeiros concertos enquanto a temperatura ainda amena não corrói a pele dos mais sensíveis. E já que este é o festival de música português por excelência, inicie-se este texto com cinco bandas portuguesas, tantas quantas as quinas da bandeira nacional. Não por uma questão de patriotismo, mas porque foi o que apanhámos durante a tarde, falhando de propósito os Hayvanlar Alemi para tratar de uns assuntos. Não é xenofobia, juramo-lo. É reconhecimento de que por cá existe muita e boa qualidade. PC

E essa qualidade existe nos Hill, que são Miguel Azevedo, João Guedes e um guitarrista fantasma. Como? É isso exactamente: a guitarra que se ouve é aquela encostada ao bombo da bateria e que é tocada única e exclusivamente através da reverberação. Ou seja, não é uma bateria siamesa, mas um enxerto de pele. Um concerto interessante e ritmado que abriu o Milhões de Festa com o que mais o faz mover, que é o rock n´roll. PC

Rock n´roll que é omnipresente nos Black Bombaim. O trio stoner foi chamado quase à última da hora para substituir os Föllakzoid, mas ninguém há de ter dado pela falta destes. Não se o avaliarmos pelo concerto em si, onde o riff falou mais alto e deu à piscina o toque ácido que faltava para ser uma experiência arrebatadora. E só não foi o concerto do dia porque, de madrugada, assistiu-se a uma das reuniões mais esperadas do ano. PC

Depois de meia hora longe da água regressamos à piscina para ver os Glockenwise. Esses mesmos, os expoentes do Rock Sem Merdas. E, sendo nós dos maiores fãs dos miúdos de Barcelos, não podemos deixar de explanar aqui a nossa desilusão. Não que a culpa tenha sido deles, tal como há uns tempos não foi dos Botswana, mas sim dos demasiados problemas de som que não deixaram que os Glockenwise criassem ondas na piscina (© A1000car Rodrigues). Houve situações em que a bateria desaparecia, em que a guitarra não dava o som esperado e até uma corda partida. Assim sendo, o que tinha tudo para ser um dos melhores momentos acabou por ser dos menos conseguidos... ou então, é Deus a dizer que eles têm é de ser cabeças de cartaz e não banda sonora de mojito. PC

O atraso na chegada a Barcelos implicou a perda de alguns concertos que prometiam muito. Entre eles encontrava-se especialmente Dirty Beaches – o concerto na ZDB na noite anterior tinha sido belo e não haveria problema em repetir a dose, mesmo que Alex Zhang Hungtai se recusasse a tocar “True Blueâ€, haveria “Lord Knows Best†e muito mais. Após uma visita de reconhecimento ao recinto, fomos espreitar o palco SWR e, contrariamente às expectativas, não apanhámos com uma dose agressiva de metal, mas ouvia-se um pós-rock simpático. O palco do lado de Barcelinhos tinha ainda a vantagem de ter a cerveja mais barata (um euro, pois). NC

Muito depois da hora estipulada (convém dizer que pontualidade foi algo que não aconteceu neste Milhões, se bem que tendo em conta os concertos a que se assistiu isso não interesse para absolutamente nada), os Riding Pânico, totalistas das quatro edições realizadas até agora, sobem ao palco Vice para (re-)mostrar o seu cunho próprio de pós-rock aos que por lá começaram a aparecer. E sempre que o fazem surpreendem. Contaram com uma ajuda de peso - Chris Common, ex-These Arms Are Snakes, na bateria - e voltaram a fazer loas, através do riff, ao sol que se começava a pôr. Um belo concerto de uma banda que, virtude das raras aparições, continua a ser para muitos um segredo. PC

Havia uma indecisão sobre terminar esta piada idiota das cinco quinas analisando o concerto de Born A Lion ou o dos Motornoise. Escolhemos estes últimos porque o vocalista de Born A Lion possui sotaque brasileiro, o que desde logo os exclui. Isto não é um convite ao hate mail ou uma tentativa de arranjar convite para o Fórum Nacional, é mesmo o escriba que é uma besta com a mania que tem piada. (De qualquer forma os Born A Lion deram um concerto porreiro com bastante peso.) E vamos então falar dos Motornoise, e agora sim, provavelmente incitar ao hate mail: estavam completamente desfasados do resto do festival. São punks velhos e tocam um rock velho reminiscente das boas bandas dos anos noventa nacionais - mas, ao invés, soam aborrecidos e sem graça alguma. Pareciam contudo estar a divertir-se, e o vocalista era enérgico o suficiente para pôr a mexer o público que estava no Vice, mas o parco elogio acaba aí. Talvez com um estado de alma diferente se apreciasse melhor "O Vinho Anda A Cair-me Mal". PC

A viagem por terras estrangeiras começa então nos Æthenor, onde pontificam Daniel O´Sullivan e Stephen O´Malley, ou seja, Ulver e Sunn O))). Se havia o bichinho para os ver juntos, já que as suas bandas são estandartes do metal extremo, esse desapareceu à primeira noção de que os Æthenor são apenas e só uma banda de electrónica exploratória entediante (EEE[hhh...]), ou, muito resumidamente, Ben Frost sem colhões. Que, ao vivo, consegue ser bom q.b. para nos fazer aguentar mais de meia hora. Num espaço mais reduzido, quem sabe... PC

A brutalidade que faltou aos Æthenor fez inteiramente parte dos Shit And Shine. Dois coelhinhos, um doente mental e dois bateristas, drone electrónico e caos sonoro num estilo que lembrou os primeiros discos dos Swans. Isto durante o primeiro período em que andaram a testar as águas do público; depois arrancam num ritmo kuduro que pôs quase todos a dançar, de boca aberta e rasgada num sorriso, incrédulos com o que estavam a assistir. Essa mudança brusca há certamente de figurar entre os melhores momentos do festival, e não é para menos. PC

O primeiro momento altamente dançável do palco principal, oficialmente designado “Palco Milhõesâ€, foi da responsabilidade dos Zun Zun Egui. Estes até estavam apontados ao palco Vice, mas uma troca levou-os até ao palco mais importante e, dizemos nós, muito bem: aquelas “guitarras africanas†(não é cliché, a sério, ouçam lá isto com atenção) deixaram pouca gente indiferente e desde logo, ainda dia claro, já muitos corpos se moviam em movimentos irrequietos. Vieram de Bristol, mas deram a volta à geografia e em Barcelos ouviu-se deles uma mescla sonora com preponderância africana, marcada por ritmos diabólicos. NC

Os Zun Zun Egui tiveram de trocar de palco com os Gama Bomb, e isso fez toda a diferença: só no Vice se poderia ter assistido àquela wall of death incrível que se formou aquando do pedido do vocalista. Os irlandeses saíram do baú dos anos 80 do thrash e deram aquele que era talvez um dos concertos mais aguardados desta edição, ou não se vissem por lá vários metaleiros a rigor com jaquetas de ganga e patches de tudo o que é banda, que rapidamente encheram o espaço. Os riffs que arrancam às guitarras soam datados, mas ao mesmo tempo como se estivéssemos a ouvir algo novo, como se nos tivéssemos esquecido deles durante o tempo que passámos a ouvir Metallica e Sodom e Kreator e afins na adolescência. Dois malhões: "Final Fight" (sim, sobre o videojogo, como que a confirmar o estereótipo do adolescente metaleiro nerd) e "Slam Anthem". Hão-de ter deixado satisfeitos todos os presentes, não só os fãs como os outros, até porque a sua boa disposição era contagiante. E ainda houve espaço para encore. PC

Sendo um festival efectivamente ecléctico, a verdade é que no Milhões nunca faltou rock. E por rock queremos dizer daquele rock másculo, enérgico, que não é definitivamente p´ra meninos. Os suecos Graveyard enquadram-se nessa categoria e no palco principal mostraram o seu rock semi-pesado, assumidamente herdeiro dos clássicos dos ´70s - Led Zeppelin, Deep Purple, Black Sabbath. Mostraram ter a lição bem estudada e foram desfilando riffalhada como se não houvesse amanhã. Mas havia ainda muita música a seguir e dali a meia hora já poucos se lembravam deles. NC

Para os Liars existiam grandes expectativas, mas acabou por ser um concerto algo morno. O trio, que ao vivo é quinteto, começou bem com o seu pós-punk de raiz tribal a fazer bater o pé, uma música assustadoramente dançável - pela guitarra violenta e batida pesada - que os tornou um caso sério. Ao longo do concerto, contudo, foram baixando de velocidade e mostrando o seu lado mais suave. "Proud Evolution" e "Scarecrows On A Killer Slant" são destaques óbvios, mas deles esperava-se muito mais. Ou talvez não, a julgar pelas repostas monocórdicas que deram em entrevistas durante a semana. PC

Liars © Angela Costa

Não há volta a dar-lhe: os regressos dos Veados Com Fome e dos Lobster eram dois marcos da edição de 2011 do Milhões de Festa, visto terem marcado o início da actividade da editora por detrás do evento. A invasão dos veados, dos Veados Com Fome, deu-se ao grito solitário de Santo Tirso é lindo, e temas como "Cachalote" ou "Paquito" encheram de riffs crus e vertiginosos o espaço já a abarrotar de gente. Foi um concerto preparado especialmente para o festival, mas depois de tamanha grandeza só nos resta pedinchar por mais. Até porque há muita gente que ainda não sabe que não existe uma única banda má que tenha ido buscar o nome aos colossais Mão Morta (os Black Bombaim que o digam também). Há que ensinar os miúdos de hoje. PC

Veados Com Fome © Angela Costa

Já os Lobster deram um concerto áquem.

Lobster © Angela Costa





























































É ÓBVIO QUE ESTOU A BRINCAR. É QUE NEM NAS MELHORES EXPECTATIVAS DE UM GAJO ISTO PODERIA TER CORRIDO TÃO BEM, TÃO GIGANTE, TÃO MAJESTOSAMENTE ENORME QUE NÃO Hà COMO NÃO DEIXAR UMA PESSOA PARVA A PENSAR "ELES ESTAVAM MESMO SEPARADOS"? NEM PRECISAVAM DE TER TOCADO NO MEIO DO PÚBLICO, MAS TOCARAM, E SÃO SEM SOMBRA DE DÚVIDA OS MONOTONIX DESTE ANO NO QUE TOCA À INCREDIBILIDADE, À ARRUAÇA, AO ROCK N´ROLL, A TODAS ESSAS CENAS QUE Hà QUE DIZER PORQUE, FODA-SE, QUE CONCERTÃO. E SE MUDEI DE REPENTE PARA UM ESTILO MAIS PESSOAL E COM MAIS CARALHADAS E COM O CAPS LOCK NO MÃXIMO É PARA QUE PERCEBAM A BOJARDA QUE ISTO FOI. PORQUE ELES PRATICAMENTE NÃO PARARAM DURANTE O CONCERTO INTEIRO, SEMPRE Là EM CIMA, SEMPRE A REBENTAR, SEMPRE COM A ELECTRICIDADE NO MÃXIMO, SEMPRE MALHA ATRÃS DE MALHA ATRÃS DE MALHA E O PESSOAL A TORCER PESCOÇOS COM O HEADBANGING, CARALHO, INTENSIDADE NO MÃXIMO, O PATRÃO A PASSAR POR CIMA DE MIM DURANTE O CROWDSURF, O DEUS QUE SE AGARRAVA À GUITARRA NESSAS MESMAS OCASIÕES, QUE PUTA DE PATADA, ESTA É UMA DAS MELHORES DUPLAS DE SEMPRE, DE SEMPRE, VOLTEM, VOLTEM, CARALHO! VOLTEM QUE NÓS PRECISAMOS DESTA MERDA COMO DE SANGUE NAS VEIAS!

PUTA

QUE

PARIU
PC
· 27 Jul 2011 · 02:10 ·
Paulo Cecílio e Nuno Catarino

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