Milhões de Festa
Barcelos
22-44 Jul 2011

© Angela Costa


O segundo dia é o pior dia de Milhões. Passa a adrenalina total do primeiro dia, e entra a depressão de se saber ser a véspera do seu fim. Claro que um fino à uma da tarde ajuda sempre a que esta passe, tal como ajuda o tempo a passar até nova vaga de concertos. E quando dizemos "vaga" queremos dizer "tsunami": se contarmos bem, o Milhões de Festa apresenta cerca de dezassete horas ininterruptas de música, desde o início dos concertos na piscina até ao fim no palco secundário. E isso atrofia o cérebro - e as pernas, principalmente daqueles que se recusam a estar sentados porque isto é o rock n´roll. E se é o rock n´roll, há que deixar de se ser menino e partir à busca de mais suor, de mais barulho, de mais abanões, de mais nódoas negras. E, assim, às duas da tarde na piscina já lá estávamos outra vez. PC

Desta vez para ver o início com os Traumático Desmame, que além de terem um dos melhores nomes de sempre, tocam uma espécie de doom arraçado onde não podem faltar os grunhos à Monstro das Bolachas e os risos demoníacos. Como quem diz, é tudo bom. Especialmente quando no final entra uma cantilena infantil e se põem a soprar (e a cantar) bolinhas de sabão. Início bruto na piscina num dia em que ia estar particularmente apinhada de força - seguir-se-iam os Mr. Miyagi. PC

No segundo dia de festival tivemos a oportunidade de conhecer o Palco Lovers & Lollypops (L&L). Dos diversos palcos secundários do Milhões, o L&L era aquele que apresentava menos glamour - e apesar da localização ser a margem do Cávado, o acesso ao rio estava vedado. Foi nesse palco L&L que os barcelenses Indignu se mostraram. Desenhando um pós-rock competentíssimo, devedor dos inultrapassáveis Godspeed You Black Emperor!, revelaram um grande à-vontade a explorar o género, sofrendo com alguns problemas de som. Seguiu-se no mesmo palco a actuação dos americanos Karma To Burn. Repetentes da edição do ano passado, onde tocaram no palco principal, mostraram desta vez no palco L&L o seu hard rock clássico, tipicamente old school, absolutamente instrumental, profundamente enérgico. NC

No palco principal os Tigrala mostraram uma faceta que não lhes conhecíamos. Se no disco homónimo, editado no ano passado, se ouvia uma folk “fusionada”, desta vez Guilherme Canhão, Norberto Lobo e Ian Carlo Mendoza estiveram ligados à corrente. Mostravam uma veia claramente electrificada, com as guitarras de Lobo e Canhão em exploração e confronto, numa jam em aproximação psicadélica. É verdade que não mostraram aquilo que lhes conhecíamos em disco, mas apesar do choque inicial não nos deixaram desiludidos. NC

Porque o Chungwave não se explica, sente-se, decidimos ignorar a palestra e chegar ao bar do Xano quando esta já estava perto do final. Enquanto nos decidíamos sobre onde seria o jantar (que acabou mesmo por ser aí, ao som dos Feia Medronho e de "Pinta Natural"), aproveitámos para assistir a três dos concertos inseridos na apresentação do chunga. Iniciando com os LSD Mossel, duo holandês de grindcore acústico - sim, é tão bom como soa, e está bastante perto daquilo que o falecido Seth Putnam fazia enquanto Impaled Northern Moonforest. Para além de contarem com a preciosa ajuda nos grunhidos do vocalista dos Traumático, possuíam igualmente o melhor saco do Lidl de sempre. Esta foi a segunda vez que os apanhámos: a primeira havia sido no campismo, eles que tocaram um pouco por toda a parte. Seguiu-se-lhes o projecto (só para não estarmos a escrever sempre "banda", até soa mais literato e etc.) The Macaques, mais conhecido pela malha viral "É Bairrada", mais conhecida por ser cantada por João Moreira, mais conhecido por ser a voz de Bruno Aleixo. Os Macaques são do rock, e não só cantaram "É Bairrada" duas vezes, como ainda apresentaram dois temas de intervenção: "José Mourinho" e "Ana Bacalhau", o que motivou uma mini-rusga policial que terminou sem incidentes. Finalmente, e porque era um dos mais esperados: a Foice Humana deu uma grande e nada alcoolizada lição de mosh, em tempo real, deu àquela ruela a possibilidade de entrar para a história como um dos poucos sítios em que um dos maiores hinos do chungwave - "Super Bock UAU" - foi tocado ao vivo e ainda teve tempo para insultar os bebés que não têm estofo para aguentar um concerto rock (e é por estas e por outras que gostamos tanto da Foice). Entre viagens por uma Ibiza chunga houve ainda tempo para "Ovos Estragados", a tal que é a Chinese Democracy do rasca. E que bom que foi. PC

Long Way to Alaska © Angela Costa


Se um dos objectivos do Milhões foi mostrar as bandas locais, cumpriu-o com toda a propriedade. E foi ainda mais além, ao ressuscitar projectos que já se encontravam defuntos. Os Kafka tiveram a sua existência entre 1997 e 2005 e voltaram ao activo para mais um exclusivo MdF. Com honras de palco principal, os Kafka mostraram o seu rock urbano-depressivo típico do noventas tardios, uma música algo cinematográfica, numa encruzilhada onde os Tinderticks e os Mão Morta se cruzassem para jogar à sueca. Talvez o prazo de validade já se encontrasse próximo do limite, mas ainda foi possível consumir sem receio. NC

Já era noitinha quando as Vivian Girls sobem ao palco principal para tocarem ao vivo não só os temas do mais recente Share The Joy como dos dois discos anteriores e que as puseram nas bocas de quem gosta de rock fofinho. A atenção está virada, claro está, para a docemente ruiva baixista que ainda desceu ao público e piscou olhos ao imóvel segurança, ainda que não tenha mostrado as mamas após desafio. As guitarradas de "I Heard You Say" e "The Other Girls" estamparam um sorriso na cara de muitos - dizia Nuno Rodrigues, por exemplo, que isto era música completamente Sem Merdas que o fazia sentir bem. E se o Nuno o diz quem somos nós para o contrariar? PC

Vivian Girls © Angela Costa

A expectativa era grande para ver os Antipop Consortium, mas a demora no soundcheck e o consequente atraso acabou por marcar a actuação do grupo no palco Vice. À medida que o atraso aumentava, decrescia o entusiasmo do público, de forma proporcional. Ainda assim, a partir do momento em que o concerto arrancou os APC souberam conquistar o público, combinando batidas irrequietas com rimas fluídas e tensas. Não se concretizou o cenário épico que se antevia, não desiludiu, não surpreendeu. NC

Se a primeira noite teve como vencedores incontestados os Lobster, os vencedores da segunda noite vieram de Itália. Os Zu mostraram no palco Vice uma incrível brutalidade sonora alimentada por uma atípica santíssima trindade instrumental: saxofone barítono, baixo eléctrico e bateria. Apesar de terem passado pelos diversos palcos dezenas de guitarras, foi o improvável trio que concretizou a dose de maior violência sonora na noite de sexta-feira. Luca T. Mai (saxofone), Massimo Pupillo (baixo) e Balazs Pandi (bateria) ensinaram aos meninos do metal o que é agressividade sonora e incredibilidade criativa. Reclamando a herança directa do avô Brötzmann – que, lembremos, gravou o manifesto Machine Gun em 1966 - estes herdeiros estarão abençoados. NC

Era difícil aos Secret Chiefs 3 suplantar o porradão sonoro que foi Zu, mas deram um belíssimo concerto. Os druidas subiram ao palco para tocar aquilo pelo qual são conhecidos: um caldeirão musical com influências do Caribe às Arábias, variando de uma maneira incrível - começam com música a puxar à dança do ventre, acabam a rasgar nas guitarras, mostrando sempre um sentido claro e uma enorme destreza. Sendo este o ano em que decidiram escolher Portugal como nova casa, com datas em quase todos os pontos do país, não podiam deixar de ter um lugar reservado no Milhões, e ainda bem que assim foi. E não faltou uma cover fantástica do tema-título de Exodus. PC

Secret Chiefs 3 © Angela Costa

É óbvio que Bob Log III não poderia tocar noutro palco senão aquele de todos os vícios. O homem por detrás da one-man band para acabar com todas as one-man bands epitomiza o que deve ser o rock, mais concretamente o seu pai por natureza: o blues javardo e tocado com uma perícia tão inacreditável quanto verdadeira - não lhe conseguíamos apanhar os movimentos das mãos por mais que tentássemos, uma verdadeira lição de guitarra. "Log Bomb" foi o primeiro grande momento, mas é em "I Want Your Shit On My Leg" que tudo toma uma direcção estratosférica (e não é por causa do capacete e do fato brilhante), com a ajuda preciosa da Sónia e da Daniela, que já podem dizer que estiveram ao colo do tipo mais fixe de sempre. O desapontamento (pequenino, pequenino) aconteceu em "Boob Scotch" - só houve a canção, faltou o scotch. Mas ficou uma grande mostra de rock. PC

Bob Log III © Angela Costa
· 27 Jul 2011 · 02:10 ·
Paulo Cecílio e Nuno Catarino

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