Imagine-se o túnel junto à Ponte de D. Luís I, iluminado pelas luzes que se erguem quando a noite chega. Imagine-se depois três homens atravessando-o: um segurando um violino, outro um acordeão e um último arrastando um carrinho de viagem com uma sistema de som que parecia capaz de tirar o sossego a qualquer um. Agora transponha-se tudo isto para a realidade, tendo em conta que, a poucos metros desse mesmo local, o projecto A Hawk And A Hacksaw de Jeremy Barnes (que além de fazer parte dos Neutral Milk Hotel do indispensável In an Aeroplane Over the Sea e dos Bablicon trabalhou ainda com nomes como Broadcast, Bright Eyes e Guignol), auxiliado pela sua companheira Heather Trost, preparava-se para a estreia em palcos nacionais.
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© Ana Sofia Marques |
O cenário dos A Hawk And A Hacksaw não partilha certamente das condições do trio do túnel (que provavelmente se estaria a deslocar para mais uma actuação), mas é com certeza igualmente sugestivo e peculiar: na verdade, o autor do mais recente Darkness at Noon só não é na sua totalidade um one-man-band-faz-tudo-sozinho-e-mais-alguma-coisa porque Heather Trost junta violino, melódica e glockenspiel ao trabalho de Jeremy Barnes na bateria, no acordeão e na voz. Mas além de ser músico, Jeremy Barnes é igualmente um ginasta: além da flexibilidade aplicada na invulgar bateria que parecia estar prestes a desfazer-se a qualquer momento, também a sua cabeça serviu para fazer música. E de duas formas: primeiro, com os guizos que surgiam ao redor do curioso gorro enfiado na sua cabeça, em segundo lugar, através da baqueta presa a esse mesmo gorro que de quando em vez – nos momentos em que deslocava a sua cabeça para o seu lado direito – batia num dos pratos da sua bateria.
Mas há algo mais que Jeremy Barnes partilha com o trio do túnel para além dos instrumentos: é o tal sentimento nómada (de momento, Jeremy Barnes encontra-se a viver em New Mexico, mas a sua paixão pelas viagens levou-o a passar algum tempo na Inglaterra e em Praga) que em muito deve ter influenciado as direcções musicais tomadas neste novo projecto. E essas direcções musicais – comprovadas durante toda a actuação – são várias e distintas: as composições de Jeremy Barnes percorrem a Europa de leste, a música folk da America do Norte e até a música mexicana mariachi. E talvez não demore muito até que Jeremy Barnes inclua o Porto na sua próxima lista de locais onde já viveu: a certa altura, o “cabecilha” de A Hawk And A Hacksaw – que não raras vezes faz lembrar Sam Beam de Iron & Wine, no que ao aspecto diz respeito - perguntou se havia alguém que tivesse um quarto livre, pois pensava em mudar-se para a cidade invicta. De seguida, acelerou o passo, deu o braço a Goran Bregovic e levou-nos para uma qualquer cena de Black Cat, White Cat. Por vezes, os seus gritos confundiam-se com os da plateia. Era tempo de festa.
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© Ana Sofia Marques |
Mas como a música de Jeremy Barnes é realmente uma tour por todo o mundo, não é surpresa para ninguém que perto do fim se aventure numa versão de canção folk Americana anti-guerra da autoria de Derroll Adams: em “Portlandtown”, Jeremy Barnes volta a contar a história: “I was born in Portlandtown / I had children one, two, three / yes I did, yes I did / sent my children off to war / yes they did, yes they did / killed my children one, two, three / yes they did, yes they did”. A festa havia de continuar mesmo no final, no encore, já com Jeremy Bares e Heather Trost no meio do público, para uma última canção, para o fim de uma imensa viagem.
andregomes@bodyspace.net