Black Dice
Jardins de Serralves, Porto
07 Jun 2005

Na terça-feira passada, tudo parecia mostrar o caminho para o concerto dos Black Dice. Primeiro, o céu espantosamente vermelho, espelho das chamas que infelizmente fustigam o nosso país todos os anos. Chegados ao local do concerto, um segurança de Serralves, depois de ter reunido um grupo de pessoas que ali haviam chegado para assistir ao concerto (como se ali fosse o ponto de partida para uma revolução há muito ansiada), encaminhou os presentes por entre um caminho - iluminado a velas de ambos os lados - até aos jardins. Aí, cada um pegava numa cadeira e fazia-se chegar para junto do palco montado para a ocasião, rodeado de árvores em noite de um belo céu. Parecia que todas as condições estavam reunidas para que se desenrolassem os sons do animalesco Creature Comforts perante os olhos (também arrastados para as projecções que acompanharam os Black Dice durante toda a actuação) e ouvidos de todos os presentes. Presentes curiosos, obviamente, que os Black Dice são uma daquelas bandas que há muito se desejava ver em Portugal.

© Ana Sofia Marques

Mas de Creature Comforts pouco ou nada se escutou. As investidas animalescas que de quando em vez marcavam presença durante a criação dos Black Dice em Serralves apenas serviram para fazer a transposição entre tonalidades. Os Black Dice de Aaron Warren, Christian Bjorn Copeland e Eric Copeland – que aparentemente, como muitas outras bandas, nunca dão um concerto igual – estavam muito mais interessados numa experiência muito mais ruidosa e, de certa forma, mais próxima de registos anteriores do que propriamente libertar os seres de Creature Comforts. Os Black Dice estão cada vez mais longe do hardcore, mas continuam igualmente ruidosos; as primeiras actuações com a duração de cerca de quinze minutos parecem muito mais distantes, mas isso também não quer dizer que os Black Dice de agora ultrapassem uma hora de concerto. E de facto, não ultrapassaram.

© Ana Sofia Marques

E se, vistas as coisas, os cerca de quarenta e cinco minutos de actuação pareciam à partida ideais para que soltassem a sua cápsula sonora próxima da explosão, a verdade é que os Black Dice só conseguiram entusiasmar mesmo nos últimos vinte, altura em que a nuvem ruidosa de movimentos circulares (construída com máquinas, uma guitarra que já reconhecemos dos discos e vozes modificadas – tudo devidamente “aprovado” pelos pedais e por demais meios de controlo e modificação do som) libertou-se das amarras, ganhou alguma autonomia e pôde, por momentos, sobrevoar terrenos mais livres e férteis. Terrenos onde tribos celebram rituais ancestrais; terrenos de solo fecundo e minimamente excitantes. Mas dos Black Dice esperava-se mais. Esperava-se aquela experiência uterina, aquela envolvência urgente e quase física que os discos provocam. Esperava-se no mínimo o incómodo, a inquietação, a agitação do cosmos. Esperava-se visceralidade, violência interna (já que a externa há muito se foi), a fervura de Brooklyn e o diabo a sete pés. Ao invés, tivemos uma actuação de intermitente interesse que, mesmo assim, não manchou de forma alguma os imaculados discos dos Black Dice.

· 07 Jun 2005 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

Parceiros