Swans / Powerdove
Aula Magna, Lisboa
9 Abr 2011
Quando em 1998 o cisne deu o seu último canto com o apropriadamente intitulado Swans Are Dead, sentiu-se a perda não só de uma excelente banda mas também de um grande pregador. Falamos naturalmente de Michael Gira; o Californiano até pode ter incorporado algumas das suas diatribes sobre Deus nos (agora extintos, numa inversão de papéis) Angels Of Light, mas nada que se pudesse comparar ao pesadelo que invoca, via lembranças de quem viu, via imaginações de quem leu ou via escutas de quem se atreveu a confirmá-lo em discos e no youtube, o nome Swans; nome que fez com que a Aula Magna se encontrasse bem composta de fiéis antigos e novos, até ali aliciados pelo disco que lidera a ressurreição, My Father Will Guide Me Up A Rope To The Sky.

Mas, talvez, mais aliciados pelo pregador em si: o pastor vestido de negro que, no final, se encontra encharcado em suor como se o número cinquenta e sete, que é o da idade, nada valesse; o orador que entra após cada um dos seus acólitos, isto já dentro de um drone de cerca de quinze minutos, que foi colocado sobre os velhos blues e canções-espíritas que iam saindo do PA e foi crescendo progressivamente de intensidade até desaguar em "No Words/No Thoughts", a primeira faixa do Novo Testamento dos Swans; que depois disto - um verdadeiro sinal de apocalipse pela intensidade com que o público foi brindado, como uma trovoada que vomitasse - diz ao público mais distante que lhe é permitido ocupar as cadeiras vagas dos lugares da frente, como em Mateus 19:14, e de súbito avança para uma versão ligeiramente mais lesta de "Jim"; e que, se ateus ainda houvesse, exalta o Divino numa performance enormíssima de "Sex, God, Sex". Não é sequer necessário que ergamos as mãos: Praise Jesus Christ.

Que não restem então dúvidas que os Swans regressaram em força, ou, que a força dos Swans regressou. Por entre as versões mais longas e ruidosas das canções que lançaram em disco, o que proporcionou um concerto com mais de duas horas e nem um segundo desperdiçado, têm ainda tempo para apresentar dois temas novos: "Avatar" e, se não estamos em erro, um rockabilly visceral a que dão o nome de "The Apostate", como que para tentar mostrar que Swans também se dança (isto para quem não se recorda de "Time Is Money"). Terminam com o clássico "I Crawled" - Be my father, think for me - e com a loa à liberdade da espécie humana que é "Eden Prison". O encore vem depois, com "Little Mouth", que começa igualmente nos píncaros do som e acaba com um brutal arrepio na espinha: o silêncio absoluto que se fez na sala após May I find your little mouth inside of this veil, apenas quebrado pelo agradecimento de Gira e os aplausos que se lhe seguiram. O cisne canta agora mais que nunca.

(Antes houve ainda tempo para durante pouco mais de meia hora se ouvirem as canções de Annie Lewandowsky, a menina Powerdove, que funcionou como uma espécie de antítese ao caos sonoro dos Swans, e ao mesmo tempo a estes se encontrava intrínsecamente ligada; as suas canções são curtas, uma espécie de folk minimal onde apenas dois acordes servem para muito, um pouco como os primeiros discos dos nova-iorquinos; mas sem a energia que lhes é característica. Oscilando entre o bonito e o sonolento, não se julga ter ficado na memória dos presentes - mas depois dos Swans até podia ter vindo nua e pintada de ouro que nem assim teria tido melhor sorte.)
· 10 Abr 2011 · 20:50 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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