Mingus Big Band
Jardins de Serralves, Porto
04 Jun 2005
Um anfiteatro natural alcatifado a erva fresquinha numa tarde de muito sol não será certamente o cenário que se espera quando vamos a um concerto de jazz. No entanto, a festa de aniversário da Fundação de Serralves promoveu uma diversidade de eventos e performances deslocalizados do seu meio habitual e até o jazz se instalou numa tenda de circo. E foi possível ver, misturada entre os habitués do jazz, muita gente de gerações e posições sociais diferentes, senhoras de meia-idade a gabar a cerveja stout, muitas mulheres bonitas e até um adolescente tardio com uma t-shirt dos Xutos e Pontapés.

Foi na tenda de circo, sita no Prado do Parque de Serralves, que Sue Mingus apresentou a banda que tem como missão prolongar o trabalho fenomenal de Charles Mingus. A Mingus Big Band, composta por 14 elementos e dirigida pelo saxofonista Craig Handy, continua, através dos discos e concertos, a promover e celebrar a música do contrabaixista com maior peso na história. E no sábado a Big Band não defraudou quem foi até à tenda ou se deitou no relvado em redor. A banda entrou pela tarde de Serralves com muita competência, atirou-se aos temas com grande garra e convenceu o público logo à partida. Com a disciplina própria das grandes bandas, exímia nos arranjos de grupo, mas com margem de liberdade suficiente para permitir rasgos de invenção nos momentos dos solos, não teve dificuldade em domar o público. Os músicos, todos óptimos, agarraram a oportunidade e cada um tentou solar sempre melhor que o anterior, a banda articulou-se como uma equipa sólida e deu um grande espectáculo no fim de tarde portuense.

No entanto, mais do que a banda, quem ganhou a simpatia total do povo de Serralves foi Frank Lacy. O excêntrico trombonista, de visual e atitude próximos de Lee “Scratch” Perry, começou por conquistar o auditório quando começou a cantar. A voz feia pareceu de início desajustada, mas depois percebeu-se que era perfeitamente indicada ao propósito: para interpretar a música quente de Mingus era necessária uma voz imperfeita mas plena de alma. Lacy também se fez notar com o trombone e ainda foi o animador de serviço, a chamar pelo público. Frank Lacy mostrou-se um grande entertainer e por sua culpa o concerto de sábado terminou em grande euforia. O final aconteceu com o refrão de "Better Git It in Your Soul", o público em pé, a bater palmas com um entusiasmo como de um concerto rock se tratasse. Mas o que é que isso interessa? Nada. O espírito de Charles Mingus de certezinha que passou pelo Porto. Deve ter sorrido ao ver tanto swing como já não é moda e tanta animação popular com aquela música americana que é ao mesmo tempo tão universal.
· 04 Jun 2005 · 08:00 ·
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com

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