Prince Rama / Vítor Lopes
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
01 Dez 2010
Em consonância com as óbvias diferenças estéticas, as actuações dos norte-americanos Prince Rama e de Vítor Lopes serviram para balizar duas abordagens distintas na música de carácter mais ou menos exploratória. Imagética ideologicamente, o barreirense pauta-se por um low profile assertivo, reflexo de uma trabalho parcimonioso cujo fascínio reside na dimensão incorpórea desse mesmo som. Já o trio de Brooklyn/Boston dá azo a todo um lado cerimonial que depende do físico e cuja prestação in loco tenta conciliar com a música num todo que habitualmente se denomina de performance e esconde, muitas vezes, embustes descaracterizados que se atiram para a esquisitice como um fim em si mesmo. Apesar do aparato, o limbo foi atravessado sem grandes distracções.

Peça mestra da entidade Frango, Vítor Lopes tem vindo secretamente a redescobrir-se a solo depois do drone impoluto de enquanto Barcos. Para esta estreia na ZDB, o músico não trouxe a sua muito particular leitura de “Crawfish”, como tinha feito no memorável concerto crepuscular em Leiria aquando da terceira edição do Braçadeiras. Em sintonia com a imprevisibilidade marca de água que tem definido todas as suas movimentações. Prevaleceu o melhor drone, cuja linhagem teve até repercussões com esse documento essencial que é = (estreia em nome próprio), transfigurado em teclados densos. Sem forçar comparações históricas, os minutos iniciais trouxeram à memória o fluxo impenetrável de Bee Mask, sem se extinguir nesse contínuo, antes excedendo-o com recurso a noções harmónicas particulares que encontravam a melodia sem uma procura óbvia. Um problema técnico deitou abaixo este work-in-progress, mas logo recomeçou uma nova criação, alicerçada em pressupostos similares, mas, inevitavelmente em formas diferentes, deixando no ar apenas aquele sentimento de dúvida sobre até onde poderia ser levada a construção anterior. E a certeza de que todos teriam a ganhar se o gajo não fosse tão recluso numa obra que exige ser documentada a par e passo.

No outro lado do espectro estavam três garotos de ar simpático e tendências friques que trouxeram para o Aquário uma dimensão performativa em contra-corrente com a discrição anterior. Algo previsível tendo em conta aquilo que se lhes reconhecia de Shadow Temple. Disco prenhe em tácticas ritualistas dirigidas à abstracção mental e à dança extasiante. É o ritmo que constitui o cerne da música dos Prince Rama, sobre o qual se espraiam melodias de carácter “étnico” e vozes histriónicas, sem se desviar de algo que chega a ser perniciosamente formulaico. Aparentemente deslocado, o som dos Prince Rama ao vivo deixa vincado um legado que começando nas explorações recentes dos Gang Gang Dance se insere numa estética devedora de um pós-punk (também aqui o ritmo era peça fundamental) que originou coisas lamentáveis como Siouxsie and the Banshees ou Xmal Deutschland e prosseguiu pelos anos 80 dos também desnecessários Dead Can Dance (a tal dimensão ritualista) e do onirismo de Hounds of Love de Kate Bush (o que não seria mau, não fosse tudo isto revestido de trejeitos arty). Podendo, com algum gozo, trazer até as esquecidas Xaile que fizeram algum furor nos anos 90. A abertura com “Om Mane Padme Hum” deixou, desde logo vincada uma fórmula que se viria a repetir em todas as canções. O entrosamento entre os músicos era dignificante, e era palpável a dinâmica procurada, permitindo que entre “Thunderdrums” e “Lightning Fossils” houvesse espaço para uma das meninas se passear por entre o público com um sininho sobre cometas sintetizados. Imperam algumas boas ideias, e o á vontade da banda consegue até transmitir uma certa envolvência (houve corpos em movimento), mas o todo não deixa de se revelar demasiadamente pindérico. Mas isto é a opinião de alguém com pouca paciência para tanto savoir faire sem raízes.
· 03 Dez 2010 · 15:32 ·
Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com

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