Antony and the Johnsons
Festival Tímpano, Casa das Artes
30 Mai 2005

Para encerrar com chave de ouro a primeira edição do Festival Tímpano, Antony e os seus Johnsons proporcionaram a segunda enchente consecutiva em salas portuguesas. Ao que parece, já nem uma distância curta e um espaço temporal reduzido impossibilitam que Antony encha salas de cidades quase vizinhas. À entrada, no meio da confusão causada pelo número elevado de espectadores a tentar entrar na sala, alguém confessa: “Quando ele abrir a boca, eu desmaio”. E faz todo o sentido. Por um lado, porque a sua voz é aquilo que nós dizemos por várias palavras e os ingleses dizem numa só - breathtaking. Depois, porque a música de Antony parece recolher opiniões extremas: regra geral, ou se nutre total identificação com a sua música, com aquilo que canta, ou se alimenta uma espécie de indiferença, ou desinteresse. Mas a tendência parece ser a primeira das duas. E de que maneira.

© Nuno Miguel Sampaio

Depois de uma introdução na guitarra acústica por parte de Rob Moose, Antony deu entrada em palco para alegria de muitos e arrancou logo com “My Lady Story”, um dos temas do aclamado I Am a Bird Now, editado em 2005. “My Lady Story” é uma história sobre beleza perdida, seios amputados, oceanos repletos de raiva contada por quem vê o mundo de uma forma diferente, pelos olhos de uma pessoa que não observa certas coisas da mesma maneira que o comum dos mortais. Esse mesmo mundo peculiar de Antony está presente em outros temas apresentados na noite de Famalicão: são os casos de “Cripple and the Starfish” (“I am very happy / So please hit me / I am very happy / So please hurt me”), “For Today I am a Boy”, “Man is the baby” (“Losing, it comes in a cold wave / Of guilt and shame all over me / Child has arrived in the darkness / The hollow triumph of a tree”) ou “I Fell in love with a dead boy” (“I fell in love with a dead boy / Oh, such a beautiful boy / I fell in love with a dead boy / Oh, such a beautiful boy”).

Obviamente, a belíssima “The Lake” marcou presença, num alinhamento que respeitou quase cegamente o concerto da noite passada, na Casa da Música, no Porto. Mas também o fizeram "Hope There's Someone" ou "You Are My Sister". "No capítulo das covers, “The Guests” de Leonard Cohen e “All is Loneliness” de Moondog (iniciada pelo ritmo que Antony ia marcando ao bater com as mãos em cima do piano) constituíram uma espécie de ilha onde, por momentos, Antony podia experimentar sentimentos transpostos em palavras por outras pessoas que não ele próprio. Aliás, Antony usa as versões como uma espécie de homenagem aos que mais admira. Com uma base de murmúrios “encomendada” por ao público, Antony mostrou-nos “Dust and Water”, em mais um momento de encantamento. Antony confessaria depois que ter toda aquela gente a murmurar para si fazia-o sentir como se estivesse a cantar para um desfiladeiro e perguntou até se havia montanhas por perto. “I’m really into mountains right now”, revelou mesmo Antony antes de mais uma gargalhada descontraída.

© Nuno Miguel Sampaio

Se muitos esperavam “Fistful of Love” (uma canção que, tanto no EP The Lake, como no recente I Am a Bird Now, conta com a participação de Lou Reed, um dos maiores padrinhos musicais de Antony), tal não havia de acontecer. Ao que parece não é canção que Antony apresente muitas vezes ao vivo, até porque provavelmente perderia muito pela falta dos instrumentos de sopro. Muitos esperavam até por “Spiralling”, a canção que conta com a voz rodopiante de Devendra Banhart. Mas a surpresa que estava reservada para o fim era mesmo uma versão de Nico. Depois de perguntar ao público de Famalicão se a conheciam, disse que ela era a melhor e que ele e os Johnsons tinham andado a ouvi-la muito no carro. Logo depois, partiu para uma versão de “Afraid” (uma canção incluída em Desertshore, um disco que data de 1970) onde a certa altura se diz assim: “You are beautiful and you are alone / You are beautiful and you are alone”.

· 30 Mai 2005 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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