Susan Alcorn + Manuel Mota / Michael Hurley
Casa de Teatro de Sintra, Sintra
03 Jul 2010
A partir do momento em que se corta para uma rua bastante suspeita para encontrar a Casa de Teatro de Sintra, os concertos da noite de 3 de Julho parecem, desde logo, ganhar aquela dimensão refundida de um happening especial. A acolhedora sala desse espaço confirmou essas mesmas suspeitas. Espaço perfeito para a solidão prazenteira que se instalou na noite. De um conforto quase familiar.
Nome maior na reinvenção da pedal steel, Susan Alcorn transcende as aparentes limitações de um instrumento demasiado conotado com a música country para o dotar de uma sensibilidade tão torch song quanto de meticulosa descoberta devedora das lições do minimalismo. Numa linguagem idiossincrática, mas nunca impenetrável. Uma singularidade que fez de Manuel Mota o seu parceiro perfeito para essa noite. No mesmo patamar de comunicação, tanto Alcorn como Mota reverenciaram os seus fantasmas num diálogo esquivo.
Nas mãos de Alcorn, raramente o instrumento foi tocado de modo convencional, insistindo em explorações de grande apelo sensorial sem nunca resvalar para o autismo. Antes, permanecendo numa esfera onde a austeridade (constatável nos movimentos meticulosos com que ia aplicando diferentes objectos sobre as cordas) foi via para a contemplação não cartografável. Dada a natureza estática e extática da prestação na sua perenidade, também Mota acedeu a tomar um discurso mais suspenso do que aquele que vinha a tomar em concertos mais recentes. O wha wha foi pisado com cautela, libertavam-se notas irrequietas de grande beleza, e tudo se imiscuía num todo anti-gestalt que fez perfeito sentido. O final foi um curioso momento de alienação da parte de Mota, absorto na sua guitarra enquanto Alcorn o olhava com admirável consideração. Nada que viesse a perturbar uma actuação que rondou o perfeito.
Lenda mais ou menos obscura do cançonetismo norte americano, Michael Hurley tem vindo a ser alvo de um reconhecimento crescente. Além da reverência de músicos como Matt Valentine, saúde-se o serviço público da importantíssima Mississipi Records em reeditar pérolas escondidas como Amrchair Boogie ou Parsnip Snips. Um daqueles patrões que, apesar de se apresentar com uma vestimenta digna de um working class hero nunca parece muito interessado numa agenda política. Sentado na cadeira de baloiço, a folk de Hurley versa sobre os seus pequenos prazeres, obsessões e dois lobos (Boone e Jocko) que conversam sobre as mais diversas temáticas. Chá, extraterrestres, comida (”The best thing in the world” disse, antes de “Slurp Song”), viagens ou cavalos. Estes últimos deram espaço para uma curiosa história de humor que demonstraram bem a capacidade de storytelling do senhor.
Humor que é, aliás, uma das suas características, patente não só na carga lírica despreocupada e ligeiramente alucinada das canções (“Horses' Ass”) como nas melodias, que tanto gingavam em toada boogie como se entregavam a uma maior dolência folk com trejeitos de música infantil. A criança na terceira fila abanava-se em aprovação. Uma descontracção onde foi também notório o virtuosismo (nunca gratuito) do senhor na guitarra, muitas vezes acompanhando nota a nota todas as melodias vocais de uma voz deslumbrante. Descontracção é a palavra chave para definir este concerto, quase familiar que apenas pecou pela excessiva duração do mesmo. À medida que Hurley ia dispondo cada vez mais canções, também a magia inicial se ia definhando. Restou ainda um pouco. E a certeza de que, se voltar (o próprio despediu-se a dizer que sim), terá certamente uma audiência maior do que aquela que foi privilegiada com esta noite.
Nome maior na reinvenção da pedal steel, Susan Alcorn transcende as aparentes limitações de um instrumento demasiado conotado com a música country para o dotar de uma sensibilidade tão torch song quanto de meticulosa descoberta devedora das lições do minimalismo. Numa linguagem idiossincrática, mas nunca impenetrável. Uma singularidade que fez de Manuel Mota o seu parceiro perfeito para essa noite. No mesmo patamar de comunicação, tanto Alcorn como Mota reverenciaram os seus fantasmas num diálogo esquivo.
Nas mãos de Alcorn, raramente o instrumento foi tocado de modo convencional, insistindo em explorações de grande apelo sensorial sem nunca resvalar para o autismo. Antes, permanecendo numa esfera onde a austeridade (constatável nos movimentos meticulosos com que ia aplicando diferentes objectos sobre as cordas) foi via para a contemplação não cartografável. Dada a natureza estática e extática da prestação na sua perenidade, também Mota acedeu a tomar um discurso mais suspenso do que aquele que vinha a tomar em concertos mais recentes. O wha wha foi pisado com cautela, libertavam-se notas irrequietas de grande beleza, e tudo se imiscuía num todo anti-gestalt que fez perfeito sentido. O final foi um curioso momento de alienação da parte de Mota, absorto na sua guitarra enquanto Alcorn o olhava com admirável consideração. Nada que viesse a perturbar uma actuação que rondou o perfeito.
Lenda mais ou menos obscura do cançonetismo norte americano, Michael Hurley tem vindo a ser alvo de um reconhecimento crescente. Além da reverência de músicos como Matt Valentine, saúde-se o serviço público da importantíssima Mississipi Records em reeditar pérolas escondidas como Amrchair Boogie ou Parsnip Snips. Um daqueles patrões que, apesar de se apresentar com uma vestimenta digna de um working class hero nunca parece muito interessado numa agenda política. Sentado na cadeira de baloiço, a folk de Hurley versa sobre os seus pequenos prazeres, obsessões e dois lobos (Boone e Jocko) que conversam sobre as mais diversas temáticas. Chá, extraterrestres, comida (”The best thing in the world” disse, antes de “Slurp Song”), viagens ou cavalos. Estes últimos deram espaço para uma curiosa história de humor que demonstraram bem a capacidade de storytelling do senhor.
Humor que é, aliás, uma das suas características, patente não só na carga lírica despreocupada e ligeiramente alucinada das canções (“Horses' Ass”) como nas melodias, que tanto gingavam em toada boogie como se entregavam a uma maior dolência folk com trejeitos de música infantil. A criança na terceira fila abanava-se em aprovação. Uma descontracção onde foi também notório o virtuosismo (nunca gratuito) do senhor na guitarra, muitas vezes acompanhando nota a nota todas as melodias vocais de uma voz deslumbrante. Descontracção é a palavra chave para definir este concerto, quase familiar que apenas pecou pela excessiva duração do mesmo. À medida que Hurley ia dispondo cada vez mais canções, também a magia inicial se ia definhando. Restou ainda um pouco. E a certeza de que, se voltar (o próprio despediu-se a dizer que sim), terá certamente uma audiência maior do que aquela que foi privilegiada com esta noite.
· 08 Jul 2010 · 23:35 ·
Bruno Silvacelasdeathsquad@gmail.com
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