Ariel Pink’s Haunted Graffiti
Lisboa, Espaço M
25 Jun 2010
Caso a polícia da Estefânia entendesse efectuar um retrato–robô de Ariel Pink, a partir da noite que o californiano passou no Espaço M de Lisboa, a investigação acabaria com um desenho diferente por cada pessoa interrogada. O próprio retrato das expectativas, registado antes do concerto, é muito mais fragmentado do que consensual: isto porque Ariel Pink concede um estatuto equivalente a todas as suas músicas, ao pensá-las como hit singles do seu universo mental, e é natural que cada aficionado queira escutar os seus êxitos favoritos, entre os muitos espalhados pelos discos na Paw Tracks e além. Eu adorava, por exemplo, ouvir uma “Beefbud” ou “I Don’t Need eNeMiEs”, tal como o rapaz do lado podia ansiar por uma “Life in L.A.” ou a fabulosa “For Kate I Wait”. Todos foram tiros na água. Era também palpável a vontade de ficar a saber mais sobre o prodígio, que desenvolveu a sua própria fórmula pop dentro do armário, mas um serão como aquele representa evidente retrocesso na tentativa de encontrar respostas para isso.

© Renata Guimarães

Imaginemos então que é o rosto de Ariel Pink aquele que se esconde no cartão do adversário num jogo de Quem é quem?. O questionário avança: usa um penteado e uma camisa às riscas algo reminiscentes daquele outro puto americano genial e insondável? Sim, claramente. Tem uma banda do caralho ao seu lado? Sim, a sabedoria nerd dos Haunted Graffiti transforma-os num imparável tanque de guerra preparado para todas as frentes obscuras da canção norte-americana. Inaugura o concerto com um tema estranhíssimo? Sim, “Menopause man” transfere para o homem os processos fisiológicos da mulher, numa letra que podia pertencer a In Utero, dos Nirvana, e com uma tonalidade gótica que relembra os gajos pálidos do início de 80. A pulga atrás da orelha deu, logo ali, a sua primeira grande dentada.

© Renata Guimarães

Mas a enxurrada de perguntas continua: cumpre todo o concerto em palco? Não, e é aqui que a noite começa a baralhar as contas da polícia e a finalidade do Quem é quem?. Depois de batalhar sofridamente com um irritante feedback (numa situação que comparou a um encontro imediato do terceiro grau), Ariel Pink abandona o palco e decide ir cantar para a rua, onde reúne uma série de pessoas à sua volta numa espécie de concerto paralelo. A banda permanece em palco (o baterista está incrédulo) e a música não pára porque o microfone de Ariel Pink tem um daqueles transmissores que lhe permite andar por toda a parte, como se fosse o Freddie Mercury no Estádio de Wembley (quando é apenas um bacano às voltas num jardim da Estefânia). Enquanto abusa do falsete em “Among Dreams”, os Bee Gees interpretados por sósias num filme amaricado, Ariel Pink escreve a assinatura no braço de uma miúda, acende um cigarro e aceita pedidos na mesa onde há uma hora os bilhetes eram vendidos. Depois viveu o seu próprio momento Lee “Scratch” Perry ao mexer na mesa de mistura sem nunca parar de cantar. Para alguém que passou metade da vida a abusar da debilidade na música gravada em casa, a prima donna parecia demasiado constrangida com alguns defeitos técnicos no som de palco. Insólito.

© Renata Guimarães

O muito reclamado encore devolve Ariel Pink ao palco para uma “Flashback”, glorioso hino suck cock rock, que apetece dançar com a barriga à mostra e uma cerveja Fink Bräu em cada mão. Nisto, os projectores de luz ampliam as sombras dos cinco músicos numa imagem que recorda os Cure no clássico vídeo de “Boys don’t cry”. Os aplausos vão para quem está ali de pé ou para a gigante sombra formada pela quantidade infindável de hit singles que o génio preserva no baú? Nem a polícia da Estefânia sabe.
· 27 Jun 2010 · 14:39 ·
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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