The Necks
Teatro Maria Matos, Lisboa
16 Jun 2010
Fiéis a uma obsessão com mais de 20 anos, os Necks continuam a enganar a inércia por via da simulação peculiar de um processo da natureza. Leva isso a que a situação intermédia num processo dos Necks seja geralmente mais difícil de antecipar que o seu ponto de partida, entretanto quase canonizado e revelado nas diversas apreciações dedicadas ao trio australiano. A lenda que persegue os Necks ao vivo confirma isso mesmo em pouco tempo, no Teatro Maria Matos, quando o início da primeira de duas peças acontece de modo semelhante a tantas outras: Lloyd Swanton repete discretamente algumas notas no contra-baixo até que a percussão de Tony Buck e o piano de Chris Abrahams entendam, através de uma telepatia só deles, que desempenho podem exercer naquela engrenagem circular.

The Necks © José Frade

E essa costuma ser a parte chata e inevitável numa introdução, porque os Necks sabem como dar a volta ao texto e instalar o clímax na altura propícia. Em relação a essa aptidão sobram poucas dúvidas: o trio, que já gravou um álbum intitulado Sex, conhece a fórmula certa para que um fluxo musical seja tão comparável à passagem de um ciclone como ao próprio acto sexual. Ambas as circunstâncias ficam mais próximas através da leitura dos Necks. Tudo começa por ser um burburinho de sintomas, que culmina em contágio e colisão, e termina depois numa desactivação lenta a caminho da absoluta serenidade que é o silêncio. Assim foram os Necks no Teatro Maria Matos, ainda que a complexidade na percussão de Tony Buck fizesse também com que a segunda peça soasse a visita guiada pelo interior de um boneco de corda. Impressionante.

The Necks © José Frade

Os fenómenos mencionados só acontecem com um noção impecável de factores como o tempo, a flutuação da intensidade, a sincronização (Austrália é a nova Suiça) e o domínio rigoroso sobre o empolgamento, que acontece muito mais na soma dos três instrumentos do que em cada um isoladamente. Não é por acaso que os Necks referem o “controlo” como quarto elemento (camuflado entre parênteses) no recente álbum Silverwater. Um dos maiores méritos dos Necks é exactamente serem disciplinados quando podiam ser desenfreados e puramente onanistas. Venceram por 3 a 0 no Maria Matos.
· 19 Jun 2010 · 20:29 ·
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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