Dead Combo + Quinteto Tati - Festival TĂ­mpano
Casa das Artes, FamalicĂŁo
28 Mai 2005

Para a penúltima noite do Festival Tímpano, estavam reservadas as actuações dos Dead Combo e do Quinteto Tati, numa espécie de serão da Transformadores (a jovem editora responsável pelo lançamento das estreias discográficas de ambos os projectos). Perto do início do espectáculo, JP Simões passeava-se junto da entrada da Casa das Artes e do bar com uma garrafa (já meia) de vinho tinto, e todos nós sabemos como isso pode ser uma boa notícia. Mas antes ainda da actuação do Quinteto Tati era a vez dos Dead Combo de Tó Trips nas “guitarras desajeitadas” e Pedro Gonçalves no “contrabaixo tuga” e “guitarra desajeitada”, como os próprios já confessaram.

Os Dead Combo já não necessitam de grandes apresentações. São responsáveis por Vol. I, um dos melhores discos nacionais de 2004 e os seus concertos costumam ser fiéis e intensas representações desse mesmo disco de estreia. Fiéis porque Vol. I já era um disco com um som bastante live, e a transposição das canções acontece sem que se perca a sua riqueza; intensa porque levam o fado (especialmente Carlos Paredes) para uma paisagem western, juntam-lhe Ennio Morricone e a banda sonora de Paris, Texas. Cada concerto dos Dead Combo assemelha-se a uma experiência cinematográfica, a uma viagem por várias cidades do mundo, com os seus diferentes aromas, cores, tradições. Imagine-se um roteiro pelo mundo em alguns dos temas apresentados pelos Dead Combo: “Eléctrica Cadente” durante a visualização de um céu estrelado, “Rua das Chagas” e a sua cadência similar a Carlos Paredes, um passeio por uma praia deserta enquanto se desenrola “Ribot”, dedicada a Marc Ribot. Mas não foi só de Vol. I que se fez o concerto dos Dead Combo. Além de, por exemplo, “Paredes Ambience'”, o tema que fez parte de Movimentos Perpétuos, o disco de homenagem a Carlos Paredes, os Dead Combo apresentaram temas novos que fazem prever um novo disco muito para breve.
Entretanto, Tó Trips aconselhou a todos os presentes a compra de Vol. I enquanto não está a ser vendido com IVA de 21 %.

Dead Combo © Sérgio Neto

Depois da curta pausa para troca de cenário musical, o Quinteto Tati deu entrada em palco para o habitual instrumental “Créditos Finais”, o tema que curiosamente fecha Exílio. JP Simões entrou logo depois e foi-se juntar ao único ponto do palco onde havia cerveja – todos os outros membros do quinteto que é sexteto estavam servidos de água. Mas aquele não era o dia de JP Simões: ele próprio anunciou que, devido aos problemas com a voz, o concerto iria ser apresentado uma oitava abaixo. Com “Valsa Quase Anti-depressiva” JP Simões abre a primeira cerveja e dispara as primeiras palavras certeiras: “Já enchi os dias de lutas vazias / estou gasto, cansado e dormente / E a um pouco de sexo, ou muita poesia / ainda não fico indiferente”.

Quinteto Tati © Sérgio Neto

Exílio havia ainda de ser percorrido em temas como “Rumba dos Inadaptados”, “Suor e Fantasia”, “Carta Tardia”, “Uma Para o Caminho” (canção apresentada como sendo um tema de resistência com “c” pequeno), “Um Fado Qualquer”, “A Flor da Vida, a Arte do Encontro, Etc” (dedicada aos encontros), a quase colérica “Domingo Sem Deus na Terra da Dolidão” e a melíflua “Vai Já Passar”. Na verdade, ao olharmos para o concerto na sua totalidade, só “No Jazz” não fez parte do alinhamento. Mas como já é habitual, na secção das versões, o Quinteto Tati havia também de pegar em canções como “Gota d’água” (daquele que JP Simões disse ser o seu compositor favorito, Chico Buarque de Hollanda) e ainda “Rosemary” de Scott Walker, uma cover que surge na compilação Angel Of Ashes - A Tribute To Scott Walker, editada na Transformadores. “Rosemary” inicia-se assim: “Voices from a photograph / Laughed from your wall, screamed through your dreams / Wake up, Rosemary and wipe your teary eyes ”. Terminou com JP Simões a agradecer a Scott Walker pelo seu registo grave que o ajudou na interpretação do tema, tendo em conta o estado da sua própria voz. A actuação viu o seu fim com a repetição de “Suor e Fantasia”, que até incluiu uma troca no refrão, mesmo antes dos deliciosos assobios, onde JP Simões diz “Todo o dia e toda a noite / Só suor e fantasia / Quem julga que é fácil / experimente levitar sobre o Tejo”. Pois se na versão original há o incentivo a levitar sobre o Tejo, em Famalicão o incitamento transferiu-se para o Douro.

JP Simões © Sérgio Neto

JP Simões é, sabe-se, igual a si próprio. Aventura-se por longas e hilariantes introduções que roçam o nonsense, bebe, brinca com o resto do Quinteto, mas curiosamente, talvez tendo em conta o estado da sua voz, poucas foram as vezes em que fumou um cigarro. O bigode tragicamente foi-se, mas JP Simões continua igualmente carismático. Faltou Vitorino e a Petra – vozes que marcaram presença no concerto no Fórum Lisboa, no passado dia 25 de Maio – e até faltaram alguns dos habituais atributos vocais de JP Simões, diminuído no seu estado de saúde. Mas, mesmo assim, todos deviam saber que é um crime faltar a um concerto do Quinteto Tati quando toca a menos de 50 km das vossas casas.

· 28 Mai 2005 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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