Para
a penĂşltima noite do Festival TĂmpano, estavam reservadas as actuações dos
Dead Combo e do Quinteto Tati, numa espécie de serão da Transformadores (a
jovem editora responsável pelo lançamento das estreias discográficas de ambos
os projectos). Perto do inĂcio do espectáculo, JP Simões passeava-se junto
da entrada da Casa das Artes e do bar com uma garrafa (já meia) de vinho tinto,
e todos nĂłs sabemos como isso pode ser uma boa notĂcia. Mas antes ainda da
actuação do Quinteto Tati era a vez dos Dead Combo de Tó Trips nas “guitarras
desajeitadas” e Pedro Gonçalves no “contrabaixo tuga” e “guitarra
desajeitada”, como os próprios já confessaram.
Os Dead Combo já não necessitam de grandes apresentações. São responsáveis
por Vol. I, um dos melhores discos nacionais de 2004 e os seus concertos
costumam ser fiéis e intensas representações desse mesmo disco de estreia.
Fiéis porque Vol. I já era um disco com um som bastante live,
e a transposição das canções acontece sem que se perca a sua riqueza; intensa
porque levam o fado (especialmente Carlos Paredes) para uma paisagem western,
juntam-lhe Ennio Morricone e a banda sonora de Paris, Texas. Cada concerto
dos Dead Combo assemelha-se a uma experiência cinematográfica, a uma viagem
por várias cidades do mundo, com os seus diferentes aromas, cores, tradições.
Imagine-se um roteiro pelo mundo em alguns dos temas apresentados pelos Dead
Combo: “Eléctrica Cadente” durante a visualização de um céu estrelado, “Rua
das Chagas” e a sua cadência similar a Carlos Paredes, um passeio por uma
praia deserta enquanto se desenrola “Ribot”, dedicada a Marc Ribot. Mas não
foi só de Vol. I que se fez o concerto dos Dead Combo. Além de, por
exemplo, “Paredes Ambience'”, o tema que fez parte de Movimentos Perpétuos,
o disco de homenagem a Carlos Paredes, os Dead Combo apresentaram temas novos
que fazem prever um novo disco muito para breve.
Entretanto, Tó Trips aconselhou a todos os presentes a compra de Vol. I enquanto não está a ser vendido com IVA de 21 %.
Dead
Combo © Sérgio Neto |
Depois da curta pausa para troca de cenário musical, o Quinteto Tati deu entrada em palco para o habitual instrumental “CrĂ©ditos Finais”, o tema que curiosamente fecha ExĂlio. JP Simões entrou logo depois e foi-se juntar ao Ăşnico ponto do palco onde havia cerveja – todos os outros membros do quinteto que Ă© sexteto estavam servidos de água. Mas aquele nĂŁo era o dia de JP Simões: ele prĂłprio anunciou que, devido aos problemas com a voz, o concerto iria ser apresentado uma oitava abaixo. Com “Valsa Quase Anti-depressiva” JP Simões abre a primeira cerveja e dispara as primeiras palavras certeiras: “Já enchi os dias de lutas vazias / estou gasto, cansado e dormente / E a um pouco de sexo, ou muita poesia / ainda nĂŁo fico indiferente”.
Quinteto
Tati © Sérgio Neto |
ExĂlio havia ainda de ser percorrido em temas como “Rumba dos Inadaptados”, “Suor e Fantasia”, “Carta Tardia”, “Uma Para o Caminho” (canção apresentada como sendo um tema de resistĂŞncia com “c” pequeno), “Um Fado Qualquer”, “A Flor da Vida, a Arte do Encontro, Etc” (dedicada aos encontros), a quase colĂ©rica “Domingo Sem Deus na Terra da DolidĂŁo” e a melĂflua “Vai Já Passar”. Na verdade, ao olharmos para o concerto na sua totalidade, sĂł “No Jazz” nĂŁo fez parte do alinhamento. Mas como já Ă© habitual, na secção das versões, o Quinteto Tati havia tambĂ©m de pegar em canções como “Gota d’água” (daquele que JP Simões disse ser o seu compositor favorito, Chico Buarque de Hollanda) e ainda “Rosemary” de Scott Walker, uma cover que surge na compilação Angel Of Ashes - A Tribute To Scott Walker, editada na Transformadores. “Rosemary” inicia-se assim: “Voices from a photograph / Laughed from your wall, screamed through your dreams / Wake up, Rosemary and wipe your teary eyes ”. Terminou com JP Simões a agradecer a Scott Walker pelo seu registo grave que o ajudou na interpretação do tema, tendo em conta o estado da sua prĂłpria voz. A actuação viu o seu fim com a repetição de “Suor e Fantasia”, que atĂ© incluiu uma troca no refrĂŁo, mesmo antes dos deliciosos assobios, onde JP Simões diz “Todo o dia e toda a noite / SĂł suor e fantasia / Quem julga que Ă© fácil / experimente levitar sobre o Tejo”. Pois se na versĂŁo original há o incentivo a levitar sobre o Tejo, em FamalicĂŁo o incitamento transferiu-se para o Douro.
JP
Simões © Sérgio Neto |
JP Simões Ă©, sabe-se, igual a si prĂłprio. Aventura-se por longas e hilariantes introduções que roçam o nonsense, bebe, brinca com o resto do Quinteto, mas curiosamente, talvez tendo em conta o estado da sua voz, poucas foram as vezes em que fumou um cigarro. O bigode tragicamente foi-se, mas JP Simões continua igualmente carismático. Faltou Vitorino e a Petra – vozes que marcaram presença no concerto no FĂłrum Lisboa, no passado dia 25 de Maio – e atĂ© faltaram alguns dos habituais atributos vocais de JP Simões, diminuĂdo no seu estado de saĂşde. Mas, mesmo assim, todos deviam saber que Ă© um crime faltar a um concerto do Quinteto Tati quando toca a menos de 50 km das vossas casas.
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