Bernardo Sassetti Trio
CCB, Lisboa
10 Mar 2010
O grande auditório do CCB, um dos grandes ícones culturais do império, está cheio de gente. O motivo é a apresentação do novo disco de Bernardo Sassetti, Motion (edição Clean Feed). O concerto arranca com um vídeo, uma sequência animada de imagens onde lá para o meio se ouve Sassetti a confessar qualquer coisa como “já não temos idade para estar para aqui a contar compassos” (a citação poderá não ser exactamente correcta, mas a ideia está lá). De facto, estes músicos, que conhecem as regras e jogam com fairplay, sabem também quando as devem desrespeitar, sabem que por vezes é necessário fugir à lei para evitar que a música se perca em modelos esquemáticos, previsíveis ou sem personalidade.

© Hervé Hette [jazz.pt]

Motion é o regresso de Sassetti à linguagem mais pura do jazz. É verdade que Sassetti nunca andou longe, mas desde Nocturno (2002) que o pianista tem explorado outros cenários. Os discos Ascent, Alice (BSO) e Unreal – Sidewalk Cartoon sempre foram assumidamente jazz, mas este vivia aí em paralelo com outras formas, não era a sua verdadeira essência. E Indigo era apenas Sassetti solo. De volta ao trio, de regresso com os impecáveis Frazão e Barretto, Sassetti volta a casa, ao jazz mais claro, ao jazz como exercício comunicante. Já não se trata da obra do pianista, mas de três músicos em colaboração, de uma verdadeira união musical, de uma partilha democrática de espaço, de uma dinâmica de entrosamento (desculpe-se a terminologia futebolística).

No Centro Cultural de Belém os temas seguem-se, a dinâmica do grupo vai sendo notória à medida que o concerto evolui. Sassetti, Frazão e Barretto, três músicos a trabalhar com precisão cada intervenção, cada detalhe de cada tema. Após a interpretação de “Homecoming Queen”, original dos Sparklehorse, há a inevitável referência ao recentemente falecido Mark Linkous, com Sassetti a revelar a sua admiração pelo autor de It's a Wonderful Life. Em “Bird & Beyond” o trio homenageia duas figura inovadoras da história do jazz, Charlie Parker e Ornette Coleman. Um dos melhores momentos do espectáculo surge depois com o tema “O Homem Que Diz Adeus”, homenagem ao senhor João Manuel Serra, balada à medida das capacidades do pianista. Aí confirmamos definitivamente que é no território dos temas lentos, das baladas, que o pianismo de Sassetti mais brilha. Dando ao músico mais tempo para pensar, para escolher cada nota com cuidado, Bernardo Sassetti desenvolve as melodias com uma enorme delicadeza.

A emoção está sempre presente na música, uma certa ideia de cinema também. E, claro, a obrigatória comunicação do jazz, dos músicos que discursam, individual e colectivamente, que dialogam, que não se atropelam, que argumentam, que impõe ideias, que cedem espaço, que não se escondem, que cruzam ideias pessoais no âmbito de um resultado final comum. O trio é isto, orgânico, democrático, sempre respeitando a matriz de cada tema, que pode embalar ou inquietar o espectador. Na sua confortável cadeira, o espectador espera tranquilidade, mas não consegue escapar ao incómodo de uma música que não se deixa apanhar, que o deixa suspenso nos desvios do seu caminho e do seu desfecho.

O concerto encerra oficialmente com um vídeo, um cão olha os espectadores, os músicos saem de cena. Regressam para os encores, em resposta aos muitos aplausos. E Sassetti despede-se depois a solo, acompanhado por um último vídeo, uma mulher nua que nada na água, desfocada, movimentos lentos que vão de encontro ao som gerado pelas mãos do pianista. Este concerto serviu para confirmar algo que já se adivinhava: vem aí um grande disco, coisa grande e coisa séria, inteligente combinação de dinâmica colectiva e emoção sonora, rodela para marcar o ano de 2010.
· 15 Mar 2010 · 10:40 ·
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
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