Seu Jorge
Campo Pequeno, Lisboa
9 Out 2009
Já existe uma tradição de Seu Jorge em Portugal: visita o país em anos ímpares (2005, 2007, 2009) e sempre durante o Outono (Novembro, Novembro, Outubro). Explicar o fenómeno de popularidade, que deixa praticamente cheio o Campo Pequeno, também não exige grande matemática: é brasileiro e carismático, dança e canta, dedica metade das suas canções a mulheres bonitas (isso agradará às que se sentem visadas e aos que as adoram). Além disso, Seu Jorge tem crédito indie a seu favor (deu-se com Bill Murray) e isso assegura a simpatia de uma fatia, que, à partida, não aplaudiria um concerto de Djavan (mesmo que a Música Popular Brasileira deste não seja assim tão diferente). É verdade que Seu Jorge nunca chegou a ser promovido ao campeonato do Pavilhão Atlântico (talvez por falta de cumplicidade da rádio), mas tem um público rendido à sua espera no Campo Pequeno.

© Mauro Mota

Ora, Seu Jorge é, como se sabe, um tipo impecável, um nobre embaixador das desigualdades vividas na favela brasileira e não há quem não sonhe tê-lo a tocar temas pedidos em sua casa. Depois da entrada com olés e acompanhada por música de tourada, a faísca entre banda e público tarda à medida que cada música tropeça na outra. “Trabalhador Brasileiro” dá que fazer à banda de 14 elementos em palco (eu gostava de ter escutado o teclista), provoca a esperada agitação (são muitos), mas a temperatura do terceiro anel permanece fria.

© Mauro Mota

Aquece entretanto com um momento de pura ternura, quando Seu Jorge convida até ao palco um fã para pedir em casamento a sua predilecta. O pior é reparar que o sim da noiva é celebrado com “Seu Olhar”, horrível balada FM e pretexto fatal para a caravela bater no fundo. Espero que não chova no casamento. À excepção desse insólito, nada acrescenta muito à anterior passagem pelo Coliseu de Lisboa. O Trio Preto (é mesmo o nome) tem direito ao seu momento, exibindo dotes em três pandeiretas, e a sensação que sobra é a de déjà-vu quase pornográfico.

© Mauro Mota

A salvação residia onde se esperava: Seu Jorge sobe ao palco só com guitarra e as rendições de “Life on Mars?” e “Rebel Rebel”, duas das versões livres de David Bowie, voltam a mostrar porque são infalíveis na forma como misturam graça, fantasia e um cheirinho de excentricidade (Jorge Mário da Silva nasceu com o signo de gémeos). Mantendo o nível por cima, a simbólica versão de “Zé do Caroço” abre caminho para uma passagem prolongada por “Nego Drama”, de Racionais MC’s (com Seu Jorge a mostrar algum do seu flow). A partir daí tudo mais convincente e perfumado, com muitas celebridades nacionais a dançar na “parada” (adoro o teu xaile, Rita Pereira). O Carnaval foi espreitando com “Burguesinha” e uma versão semi-acelerada da muito requisitada “São Gonça”, e entrou depois a pés juntos com o medley pronto para transformar qualquer sala em Sambódromo. Foi essa a cena final para um filme exibido por cá mais do que uma vez.
· 10 Out 2009 · 21:32 ·
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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