Jens Lekman / Pikelet
Salão Brazil, Coimbra
17 Jul 2009
São hilariantes os contornos assumidos pela vinda de Jens Lekman a Portugal. Depois ter contraído a gripe A, numa digressão pela América do Sul, Jens Lekman passou a ver a sua reputação de cantautor prodigioso misturada com a de ameaça para a saúde pública. A bola de informação (e de contra-informação) rolou então desde o pico Pitchfork, que anunciou a situação, até ao pântano do Correio da Manhã, onde a (mais sinistra) fotografia do excêntrico sueco surgia ao lado da notícia. Os comentários referentes à novidade demonstravam pânico e desconhecimento em relação ao facto de Lekman já ter cumprido a devida quarentena. Recomenda-se a leitura dos mesmos. Havia até quem desejasse impedir a entrada do “tal sueco” no país. O drama, a tragédia. Algo me diz que, nos últimos dias, o diamante Night Falls Over Kortedala poderá ter ganho entusiastas entre jornalistas mais curiosos e admiradores do Goucha.
Ciente do alarme ou não, a verdade é que o Largo do Poço (morada do Salão Brazil), na baixa de Coimbra, encontra-se praticamente deserto perto da hora do evento suspeito. Um ourives fuma à porta do seu estabelecimento, os pombos bebericam a água da fonte. Lá em cima, uma jornalista sem máscara ousa entrevistar Jens Lekman, que, com toda a simpatia do mundo perfeito, partilha algumas considerações sobre a presente digressão. As pessoas não parecem minimamente preocupadas (ainda assim, a patroa do restaurante mais próximo serve-me o jantar com um escrutínio hostil que não sei se será típico da cidade). Brinca-se com a situação até que a catarse funcione. A noite avança e, assim que Jens Lekman combina a sua voz (de Morrissey que não se acha Deus) com os samples fatais de “Maple Leaves” e “Black Cab” (clássicos de juventude), já ninguém quer saber da gripe suína. A miúda da t-shirt de Steve Zissou parece estar a viver a noite da sua vida (não seria a única). Mais tarde, alguém entre o público haveria de simular um espirro e aí, sim, dá-se o contágio do riso.
Habituado a ter de lidar com as ironias da vida, Jens Lekman, o sueco que vende saúde no Salão Brazil, é também o entertainer de corpo inteiro e o anfitrião perfeito para uma noite na companhia do mais adorável desgraçado de toda a Escandinávia. Ao seu lado, o companheiro Viktor Sjöberg controla um laptop, do qual partem, entre outros, os violinos, os instrumentos de sopro e um glockenspiel , que Lekman toca com os gestos de um mimo. O computador faz o trabalho da banda para que o sueco-maravilha, dedicado a guitarra e pandeireta apenas, possa explorar à vontade a teatralidade da canção (e dançar como se ambicionasse vencer o Festival da Eurovisão).
O mais generoso espectáculo de karaoke sofisticado revisita Night Falls Over Kortedala quase por inteiro. Como destaque, sobrou “A Postcard to Nina”, rendida em modo adequadamente académico: a canção do rapaz obrigado a conhecer o pai esperançoso de uma jovem gay, como se isso fosse um exame social, contou com uma intérprete (uma Sara impecável) a traduzir para português os diálogos e detalhes que não fazem parte da versão registada em disco (mais parecem extraídos de um western de Sergio Leone). Com isto, “A Postcard to Nina” transformou-se num épico com mais de 10 minutos. Todos ficaram a saber mais sobre aquele jantar confuso. Estava selada uma noite memorável. Um pouco depois da graciosa “Shirin” (às vezes parece “Charade”) e do jogo da “pena flutuante” (com o sopro dos presentes), o herói regressa para um agradecimento, que transborda amor (<3) e a ideia de que este namoro fica suspenso por um “até já”. A estabilidade do mundo fofinho / choninhas foi restabelecida. Nuno Catarino pode viver em paz. A pop vence a paranóia.
Por sua vez, Pikelet, a australiana das canções montadas por acumulação de loops, não conseguiu vencer um feedback teimoso, que sabotou o “aquecimento” da primeira parte. Contrariando o fervor, que Pikelet recebeu de grande parte do público, eu diria que a demonstração convincente desta pop meiguinha terá de ficar para outra altura.
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Jens Lekman © Cláudia Santos |
Ciente do alarme ou não, a verdade é que o Largo do Poço (morada do Salão Brazil), na baixa de Coimbra, encontra-se praticamente deserto perto da hora do evento suspeito. Um ourives fuma à porta do seu estabelecimento, os pombos bebericam a água da fonte. Lá em cima, uma jornalista sem máscara ousa entrevistar Jens Lekman, que, com toda a simpatia do mundo perfeito, partilha algumas considerações sobre a presente digressão. As pessoas não parecem minimamente preocupadas (ainda assim, a patroa do restaurante mais próximo serve-me o jantar com um escrutínio hostil que não sei se será típico da cidade). Brinca-se com a situação até que a catarse funcione. A noite avança e, assim que Jens Lekman combina a sua voz (de Morrissey que não se acha Deus) com os samples fatais de “Maple Leaves” e “Black Cab” (clássicos de juventude), já ninguém quer saber da gripe suína. A miúda da t-shirt de Steve Zissou parece estar a viver a noite da sua vida (não seria a única). Mais tarde, alguém entre o público haveria de simular um espirro e aí, sim, dá-se o contágio do riso.
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Jens Lekman © Cláudia Santos |
Habituado a ter de lidar com as ironias da vida, Jens Lekman, o sueco que vende saúde no Salão Brazil, é também o entertainer de corpo inteiro e o anfitrião perfeito para uma noite na companhia do mais adorável desgraçado de toda a Escandinávia. Ao seu lado, o companheiro Viktor Sjöberg controla um laptop, do qual partem, entre outros, os violinos, os instrumentos de sopro e um glockenspiel , que Lekman toca com os gestos de um mimo. O computador faz o trabalho da banda para que o sueco-maravilha, dedicado a guitarra e pandeireta apenas, possa explorar à vontade a teatralidade da canção (e dançar como se ambicionasse vencer o Festival da Eurovisão).
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Jens Lekman © Cláudia Santos |
O mais generoso espectáculo de karaoke sofisticado revisita Night Falls Over Kortedala quase por inteiro. Como destaque, sobrou “A Postcard to Nina”, rendida em modo adequadamente académico: a canção do rapaz obrigado a conhecer o pai esperançoso de uma jovem gay, como se isso fosse um exame social, contou com uma intérprete (uma Sara impecável) a traduzir para português os diálogos e detalhes que não fazem parte da versão registada em disco (mais parecem extraídos de um western de Sergio Leone). Com isto, “A Postcard to Nina” transformou-se num épico com mais de 10 minutos. Todos ficaram a saber mais sobre aquele jantar confuso. Estava selada uma noite memorável. Um pouco depois da graciosa “Shirin” (às vezes parece “Charade”) e do jogo da “pena flutuante” (com o sopro dos presentes), o herói regressa para um agradecimento, que transborda amor (<3) e a ideia de que este namoro fica suspenso por um “até já”. A estabilidade do mundo fofinho / choninhas foi restabelecida. Nuno Catarino pode viver em paz. A pop vence a paranóia.
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Jens Lekman © Cláudia Santos |
Por sua vez, Pikelet, a australiana das canções montadas por acumulação de loops, não conseguiu vencer um feedback teimoso, que sabotou o “aquecimento” da primeira parte. Contrariando o fervor, que Pikelet recebeu de grande parte do público, eu diria que a demonstração convincente desta pop meiguinha terá de ficar para outra altura.
· 19 Jul 2009 · 22:11 ·
Miguel Arséniomigarsenio@yahoo.com
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