American Music Club
Casa da Música, Porto
22 Mai 2005
Dez anos é muito tempo. Tempo suficiente para mudar uma vida, duas vidas, uma banda, duas bandas. Para a surpresa de muitos, os American Music Club regressaram depois de um hiato criativo de uma década, com o lançamento de Love Songs for Patriots e ainda se recomendam. E por vários motivos. Um deles, provavelmente o mais forte, é que as palavras de Mark Eitzel salvam almas. É verdade. E as suas histórias também, e a maneira desajeitada como sobe o palco, pega na guitarra, faz esperar e desesperar a banda enquanto coloca os auriculares, a forma como deixa cair os auriculares de quando em vez, a forma como introduz as canções e como se confunde no alinhamento, a maneira como Mark Eitzel parece não pertencer a este mundo. Acompanham-no ainda Dan Pearson no baixo, Tim Mooney na bateria e Jason Borger no piano e só faltou mesmo a guitarra de Vudi. Mas Eitzel é irremediavelmente a figura central.

Mesmo a calhar, Mark Eitzel – com o seu chapéu habitual - começou por, na confusão de cabos inicial, dedicar todo o concerto a todos os loosers da noite, os adeptos do FCP, e arrancou para uma versão despida e suave de "Ladies and Gentlemen" (sem as guitarras mais rudes), o tema que abre precisamente o último Love Songs for Patriots. Havia de ser, pois então, em Love Songs for Patriots que haviam de recair as maiores atenções. Mas depois de “Ladies and Gentlemen” foi tempo de recordar outra primeira canção de um disco dos American Music Club. Esse disco é Mercury, e a canção “Gratitude Walks”, onde, a certa altura, se verbaliza: “Well it's never what you want / It's just the kind of thing that always happens here / Yeah you watch the good old days pass you by / Leaving your cupboards bare”. Do mesmo Mercury havia também de se ouvir “Challenger”.

Mark Eitzel anda sempre a braços com os mais puros e sinceros sentimentos humanos, e consegue, de alguma forma, condensá-los em canções – mesmo que sejam “corny love songs”, como o próprio diz. “Only Love Can Set You Free” é supostamente um desses exemplos: “Now I'm just a normal man, that’s true / And I got nothing to brag about, or yes I do / that once I was loved by someone like you / that once I loved someone like you”. Mark Eitzel falou da Segunda Guerra Mundial, do seu pai, de dependências alcoólicas, de pessoas que magoou, de amores que destruiu. Falou como odiava canções de Natal e de como, um certo dia, uma amiga lhe disse que se juntasse todas as suas canções ao lado das de Johnny Mathis, Eitzel ficaria claramente a perder. A canção que seguiu à curiosa introdução foi obviamente “Johnny Mathis' Feet”, canção onde a figura central dos American Music Club põe as canções numa balança: “Johnny looked at my songs and he said, Well at first guess, never in my life / Have I ever seen such a mess / Why do you say everything as if you were a thief? / Like what you’ve stolen has no value”. Pausa para o destaque merecido ao “novato” Jason Borger, que tratou também de iluminar as canções com o toque do piano que se fez notar durante toda a actuação.

O campeonato das primeiras canções de discos teve desenvolvimentos com “Why Won’t You Stay?”, o primeiro tema de Everclear, mas a noite era mesmo de Love Songs for Patriots. Da delicadeza inicial da cintilante “Another Morning” até à decadência e escuridão sugerida por “Patriot's Heart” (canção introduzida obviamente por uma história que envolve bares de strippers e lapdance), Mark Eitzel toca o céu e o inferno, e faz o mundo deste Love Songs for Patriots. Mas do último registo há ainda “Love Is” e a movida a esperança “Home”. E é quase fácil ver o trajecto todo rumo à tal casa quando Eitzel canta: “Home / Home / Home / I hope I make it home”. Mas o final reservava a fragilidade que é “Myopic Books”, um dos melhores temas de Love Songs for Patriots. Foi preciso Dan Pearson juntar-se a Tim Mooney para reproduzir em perfeição a percussão, enquanto Mark Eitzel, lá à frente, desenrolava o plano da felicidade das pequenas coisas: “One day I left my room in the evening / It was freezing, a sidewalk shining / But it was okay - I wasn't lonely / I wasn't no one, I was just hoping / for a bookstore like the one I prayed for / and the music they'd play there would be Dinosaur Jr. / and the people who worked there would be super skinny / and super unfriendly - and that would make me happy / That would make me happy”. E como não perceber o mundo bonito e superior em que Mark Eitzel vive, quando, cada vez mais junto do público e cada vez mais acreditando naquilo que diz, canta repetidamente e sem microfone: “Maybe the worst is over”. O mundo podia acabar ali, naquele momento.

Mas não acabou, e seguiu-se um encore com mais dois temas (um deles, o belíssimo “I've Been a Mess”, alusão à perda, ao desamparo provocado pela ausência), e um segundo encore quase forçado por Mark Eitzel, onde foi possível ouvir "Firefly", uma canção retirada do clássico Califórnia. Bonito, como Eitzel captura dois ou três instantes de perfeição quando diz: “C'mon beautiful we'll go sit on the front lawn / We'll watch the fireflies as the sun goes down / They don't live too long, just a flash and then they're gone / We'll laugh at them and watch the sun go down”. Provavelmente teríamos ficado ali todos durante mais e mais horas. E ficaríamos tanto com as canções (ora com um aroma mais envelhecido de uma já longa carreira, ora com um cheiro de actualidade refrescante), como com as suas pequenas mas hilariantes e cáusticas histórias ou, simplesmente, a sua presença numa troca de ideias parvas e triviais sobre a guerra, amor ou casas de strippers. A mesma sensação já havia ficado aquando, por exemplo, da sua actuação em Paredes de Coura, no ano passado. É óbvio que, à semelhança daquilo que foi acontecendo progressivamente na carreira dos American Music Club, Mark Eitzel assume-se como figura centralíssima. E ainda bem, é, mais do que tudo, justo. Afinal de contas, Mark Eitzel merece o mundo.
· 22 Mai 2005 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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