Rhys Chatham
Museu do Chiado, Lisboa
21 Mar 2009
Peça fundamental na compreensão do rock enquanto som absoluto apontando ao coração do género que o viu nascer, "Guitar Trio" de Rhys Chatham constitui um dos momentos chave na estética da No Wave nova-iorquina. Composta em 1977 e constituída somente pelo acorde Mi, a sua incomensurável importância poderá ter paralelo apenas no trabalho de Glenn Branca (em particular "Ascension") na redefinição dos caminhos levaram ao rock mais transgressor e catártico de anos vindouros. Mais do que um mero exercício nostálgico, o concerto do passado dia 21 no Museu do Chiado foi o testemunho vivo da premência da obra-prima de Rhys no legado mais libertador e expansivo do género.

Empregando um método algo similar ao do Damo Suzuki Network, Rhys Chatham tem vindo a percorrer o mundo reinterpretando a sua peça com a presença de alguns dos mais proeminentes músicos locais. Em Lisboa marcaram presença alguns dos músicos mais notáveis da actualidade portuguesa, que importa referenciar: Norberto Lobo, Rui Dâmaso (PCF Moya, Frango), Guilherme Gonçalves (Coclea, Gala Drop), Guilherme Canhão (Lobster) e Manuel Gião nas guitarras eléctricas; Rui Dâmaso (Loosers) no baixo e Afonso Simões (Phoebus, Gala Drop, etc.) na bateria. Sob a direcção de um muito bem disposto Rhys Chatham (que ensaiou até uns movimentos à la Keith Richards) também na guitarra, a entrega e interpretação dos músicos nacionais foi irrepreensível (tendo no entanto de destacar o baixo volátil de Rui Dâmaso), contribuindo em larga escala para o sucesso desta noite memorável. Constituído por três partes, os dois primeiros movimentos assentaram em duas leituras distintas da seminal obra, com resultados igualmente transcendentes.

Rhys Chatham © Vera Marmelo

Na primeira, a transcendência deu-se pela hipnose, numa prestação mais contida da parte da secção rítmica a levar ao âmago do acorde primordial enquanto as guitarras se sobrepunham para um crescendo aparentemente invisível mas avassalador guiado pelos pratos metronómicos de Afonso Simões. Na segunda interpretação, o ritual revestiu-se de contornos mais viscerais, com a secção rítmica mais proeminente a tomar o pulso ao nervo do rock enquanto discorriam em fundo as imagens criadas por Robert Longo (intitulada Pictures For Music para acompanhar a prestação original da peça. Rhys sempre sorridente contemplava a sua obra enquanto interagia com os músicos como um roqueiro que redescobre o poder libertador do género. Em consonância com a boa onda vivida no espaço o final reservou ainda uma outra peça (ao que consta "inspirada" num filósofo grego) onde a solenidade deu azo ao freak out de grupo e a uma passagem bem funky de guitarras dissonantes. Só poderia restar o silêncio e uma ligeira surdez momentânea, enquanto na memória persistiam os ecos de que a História, afinal, não se repete, mas reinventa-se. Sempre.
· 24 Mar 2009 · 12:01 ·
Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com

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